Trata-se do menor rendimento domiciliar per capita em 10 anos, segundo estudo. Veja ranking das principais metrópoles do país e impacto da pandemia e da inflação nas diferentes faixas de renda.
G1 – R$ 1.378. Era essa a renda média dos brasileiros no último trimestre de 2021, nas regiões metropolitanas do país.
Mesmo com o aumento da população ocupada, é o menor valor da série histórica da pesquisa, iniciada em 2012 – com o empobrecimento atingindo todas as classes sociais. Os dados estão na sétima edição do boletim Desigualdade nas Metrópoles, antecipado com exclusividade ao g1.
O estudo foi produzido em parceria por pesquisadores da PUC-RS, do Observatório das Metrópoles e da Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL), a partir dos dados da PNAD Contínua trimestral, do IBGE.
Diferentemente do observado num primeiro momento da pandemia, quando a queda da renda média foi puxada pelo tombo dos rendimentos dos mais pobres e dependentes do trabalho informal, a piora nos últimos trimestres tem sido pressionada principalmente pelo impacto da inflação entre aqueles que ganham mais.
Segundo o levantamento, a renda domiciliar per capita do trabalho nas regiões metropolitanas caiu pelo segundo trimestre seguido e atingiu R$ 1.378 no final de 2021, o pior nível em 10 anos.
O que são os indicadores
A renda média é calculada a partir da soma de todos os rendimentos provenientes do trabalho, incluindo o setor informal, dividida pelo número de moradores por domicílio nas regiões metropolitanas, com preços deflacionados até o 4º trimestre do ano passado.
De acordo com o estudo, a renda média domiciliar per capita ao final do ano de 2021 ainda era 10,2% menor do que o patamar pré-pandemia. No 1º trimestre de 2020, estava em R$ 1.535 em termos reais. Na máxima da série histórica, chegou a R$ 1.568.
Já a desigualdade, medida através do coeficiente de Gini – que varia de 0 até 1, sendo mais alta quanto maior for a desigualdade – recuou para 0,602 na média das metrópoles, o mesmo valor registrado no 1º trimestre de 2020, logo antes de se registrarem os efeitos da pandemia, indicando uma reaproximação do patamar pré-pandêmico, mas ainda distante da melhor marca, de 0,566 do final de 2014.
“Estamos chegando a um nível de desigualdade que é similar aquele anterior à pandemia, mas numa sociedade mais empobrecida, com uma renda média bem mais baixa. Está todo mundo mais pobre”, resume Andre Salata, pesquisador da PUC-RS e coordenador do estudo.
Movimentos distintos para os estratos de renda
No 4º trimestre de 2021, pela primeira vez, a perda de rendimento em relação ao patamar pré-pandemia foi maior para o estrato do topo da pirâmide de renda do que para a faixa dos mais pobres.
Segundo o levantamento, a renda média per capita dos 40% mais pobres, que estava em R$ 195 no final de 2020, subiu para R$ 239 no final 2021. Ao mesmo tempo, a média entre os 10% mais ricos caiu de R$ 6.917 para R$ 6.424 em 1 ano.
No início da pandemia, os 40% mais pobres chegaram a perder quase um terço (32%) da renda proveniente do trabalho, enquanto que o rendimento médio dos 10% mais ricos recuou apenas 2,5%.
Com a reabertura praticamente total da economia e fim das medidas restritivas, o movimento se inverteu. No 4º trimestre de 2021, o rendimento médio dos mais pobres se situou 8,9% abaixo do patamar pré-pandemia, enquanto que o do topo da pirâmide passou a registrar uma perda de 12,8% em relação ao valor do 1º trimestre de 2020.
“Com a vacinação e a possibilidade da retomada da atividade econômica, a renda dos mais pobres, que tinha despencado e ido parar no fundo do poço, começa a se recuperar, ainda que lentamente. Enquanto isso, a renda dos mais ricos começa a ter uma queda mais clara”, afirma Salata.
Marcelo Ribeiro, professor da UFRJ e também coordenador do boletim, explica que o grupo dos 40% mais pobres reúne majoritariamente famílias ocupadas em atividades informais. Com a chegada da pandemia e as restrições de circulação, muitas delas ficaram em casa, sem renda. Com a reabertura da economia, esses trabalhadores têm voltado a mercado de trabalho, ainda que em ocupações precárias ou fazendo bicos, o que contribui para aumentar o rendimento médio deste estrato.
“Os 10% mais ricos estão em geral em ocupações com proteção social, com carteira de trabalho, e eles conseguiram assegurar seus empregos e renda no primeiro ano da pandemia”, afirma.
Segundo os pesquisadores, a queda mais recente do nível de renda dos 10% do topo está relacionada com a estagnação econômica, uma vez que a oferta de mão-de-obra passa a ser maior do que demanda das empresas, com efeitos direto nas remunerações e salários de contratação. Mas a principal explicação é mesmo a inflação, que há 7 meses roda acima dos dois dígitos.
“Em boa medida, o que explica essa perda do poder de compra entre os mais ricos no último trimestre é a inflação”, afirma o pesquisador da PUC-RS , destacando que em termos nominais (sem considerar a inflação) a queda anual do rendimento médio dos 10% do topo foi de apenas -0,94%, contra -8,05 em valores deflacionados.
Os 10% do topo da pirâmide não devem ser confundidos com os chamados super-ricos – o 1% mais rico, cuja renda principal costuma ser proveniente de dividendos e rendimentos financeiros.
“Não estamos falando dos super-ricos. Os 10% superiores, na verdade, agregam o que a gente costuma chamar de classe média. Tanto que a renda per capita média não é tão alta, é de R$ 6.424”, explica Salata.
Renda pressionada e historicamente baixa
Mesmo com a queda generalizada da renda média no país, o estudo mostra que os mais pobres foram os mais atingidos desde o início da pandemia e são os mais prejudicados pela disparada dos preços, uma vez que muitas dessas famílias se encontram em situação de vulnerabilidade.
“É importante deixar claro que é um processo de recuperação que está lento e ainda não chegou no patamar pré-pandemia. Estamos falando de milhares de famílias cujos rendimentos do trabalho já eram insuficientes e que estão há dois anos enfrentando uma situação de perda de renda”, destaca Salata.
O estudo chama a atenção ainda para as enormes distâncias entre ricos e pobres e para a baixíssima renda média na base da pirâmide. No 4º trimestre de 2021, 23,6% dos moradores das metrópoles ainda viviam em domicílios cuja renda média per capita do trabalho era de até ¼ do salário-mínimo. No auge da pandemia esse percentual chegou a 29,7%.
Ranking de renda por região
O estudo estima em 80 milhões de brasileiros a população nas 22 principais regiões metropolitanas do país, o que significa aproximadamente 40% da população brasileira.
As regiões metropolitanas que apresentaram as rendas médias mais baixas no 4º trimestre de 2021 foram as situadas no Norte e Nordeste.
Os valores mais baixos foram registrados na Grande São Luís (R$ 739,93), Manaus (R$ 824,94) e Recife (R$ 831,66), enquanto que os maiores foram no Distrito Federal (R$ 2.022,91), Florianópolis (R$ 1.895,68) e São Paulo (R$ 1.679,80).
Nos últimos meses, o mercado de trabalho tem dado sinais de recuperação, com queda do desemprego, mas a inflação persistente associada à perspectiva de baixo crescimento da economia limitam o potencial de recuperação da renda no país no curto prazo.
“A possibilidade de aumento da renda, principalmente nos segmentos mais pobres, depende de uma retomada da economia, que não aconteceu. Sem um processo efetivo de recuperação da atividade, dificilmente vamos ter uma economia capaz de gerar emprego e distribuir renda, e remuneração suficiente para aumentar o nível de renda das pessoas em geral”, diz Ribeiro.