Diretor-geral da PF chegou a convidar novo superintendente, mas nomeação foi barrada por ordem superior
Folha de São Paulo – Ocorrência inédita na história recente da Polícia Federal, uma ingerência política barrou a tentativa da cúpula do órgão de trocar o superintendente em Alagoas, o delegado Sandro Valle Pereira.
A gestão do atual diretor-geral da corporação, Márcio Nunes, chegou a abrir formalmente o processo interno de substituição do atual superintendente de Alagoas pelo delegado Marcelo Werner.
Segundo pessoas que acompanharam o caso, porém, o ministro Anderson Torres (Justiça) foi o responsável por informar que a mudança havia sido vetada.
Em nota, a assessoria da PF não respondeu aos questionamentos sobre as razões de a substituição ter sido suspensa, nem de quem partiu a ordem política.
Disse apenas que a alteração da direção-geral do órgão leva a mudanças naturais, com analise de nomes e cenários.
“Especificamente com relação ao Dr. Werner, informamos tratar-se de um excelente profissional, que tem demonstrado qualificação e qualidades que o habilitam a exercer atividades de direção, motivo inclusive que o levou a ser convidado a compor a gestão da SR/BA, local de sua lotação”, diz a nota, acrescentando que “os processos de indicação ou convite para as funções de superintendentes regionais são atribuições do diretor-geral”.
Questionado, o Ministério da Justiça não se manifestou.
Como mostrou a Folha, a troca de comando em Alagoas era uma das mudanças em chefias de superintendências previstas após Nunes assumir o comando da PF, em 25 de fevereiro.
Nunes é o quarto diretor-geral da PF em menos de quatro anos do governo de Jair Bolsonaro e substituiu o delegado Paulo Maiurino, cuja curta gestão de dez meses foi marcada por crises internas.
A dança de cadeiras no comando da Polícia Federal teve início com a demissão de Maurício Valeixo em abril de 2020, ocasião em que o então ministro da Justiça, Sergio Moro, deixou o cargo acusando Bolsonaro de tentar interferir na PF com o objetivo de abafar investigações que pudessem atingir familiares e amigos.
Em reunião ministerial ocorrida dois dias antes da queda de Valeixo e Moro, e que foi tornada pública posteriormente por ordem do STF, Bolsonaro falou que iria interferir na PF, mesmo que para isso tivesse que trocar ministros.
Dois anos após esse episódio, a PF encerrou o inquérito dizendo não ter havido indícios de que Bolsonaro interferiu para proteger aliados e familiares ao trocar o comando do órgão.
A tentativa de mudança da superintendência de Alagoas começou logo após o atual diretor-geral ser nomeado. Supostos problemas e reclamações de delegados em relação à gestão de Sandro Valle Pereira em Alagoas começaram a surgir.
Um dos relatos que chegou aos ouvidos da equipe de Nunes em Brasília foi uma suposta tentativa de Valle Pereira de obter informações de um inquérito sigiloso em andamento no estado que resvalava em um político alagoano.
Segundo o relato levado ao diretor-geral, Valle Pereira procurou delegados em cargos de chefia na superintendência em busca de informações sobre a apuração.
Sem obter sucesso, o superintendente teria acionado diretamente o delegado responsável pela investigação para alcançar seu objetivo.
Como esse tipo de atitude não é usual na PF, os delegados relataram os fatos a outros colegas e a informação chegou à então recém-empossada cúpula da PF.
Nesse momento, Nunes decidiu pela substituição de Valle Pereira por Marcelo Werner, delegado que ocupava um cargo de chefia na superintendência da Bahia.
Werner foi convidado e aceitou assumir o comando em Alagoas.
Segundo relatos de integrantes da PF, porém, Valle Pereira começou a se movimentar para evitar a substituição. Em uma das tentativas, o delegado, sem autorização e sem comunicar a direção-geral, esteve em Brasília.
De acordo com delegados da PF, há precedente de casos em que houve veto ao nome indicado para o comando do estado ou de cargo de direção, mas nunca o impedimento de uma troca decidida pelo diretor-geral para manter alguém.
Valle Pereira é casado com uma alagoana, filha de um conhecido ex-policial civil chamado Flávio Saraiva. O sogro do superintendente é conhecido por ter excelente trânsito entre a classe política alagoana e já ocupou cargos por indicação política no governo estadual e na capital Maceió.
O policial civil aposentado também foi apresentador do programa Segurança em Foco, da TV Mar de Alagoas. A emissora é do Grupo Arnon de Mello, da família do senador e ex-presidente Fernando Collor de Mello (PTB-AL), hoje aliado de Bolsonaro.