Falta de transparência por parte do governo ditatorial dificulta conhecimento do cenário real, em país que não se vacinou contra a doença
Metrópoles – Há uma semana, a Coreia do Norte admitiu os primeiros casos de Covid-19, dois anos depois do início da pandemia global. O governo ditatorial, porém, não é transparente para divulgar dados sobre casos e mortes confirmados.
Pelo menos 62 mortes já foram relacionadas ao vírus e mais de 1,7 milhão de pessoas estão com “sintomas febris”, o máximo a Agência Central de Notícias da Coreia (KCNA) se permite revelar. O surto tardio acende alerta internacional devido à estrutura precária do sistema de saúde do país, que não vacinou a população contra a doença.
A Coreia do Norte já chegou a rejeitar 3 milhões de doses da vacina oferecidas pelo consórcio internacional Covax Facility em setembro de 2021.
Na segunda-feira (16/5), a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um alerta sobre o risco da situação norte-coreana. Em comunicado, o diretor regional da OMS para o Sudeste Asiático, Poonam Khetrapal Singh, afirmou que a instituição está comprometida a auxiliar o país com suporte técnico “para ampliar os testes, fortalecer a gestão de casos, implementar medidas sociais e de saúde pública específicas da situação e fornecer suprimentos médicos e medicamentos essenciais”.
“Como o país ainda não iniciou a vacinação contra a Covid-19, existe o risco de o vírus se espalhar rapidamente entre as pessoas, a menos que seja reduzido com medidas imediatas e apropriadas”, ressaltou. A preocupação é agravada pela chance de que uma disseminação em massa em população não vacinada gere mutações no vírus e agrave a doença.
O diretor-geral da organização, Tedros Adhanom Ghebreyesus, descreveu que a OMS está “profundamente preocupada”, em coletiva realizada de Genebra, na terça-feira (17/5). Mike Ryan, diretor de Operações, se preocupa com a resistência do país em iniciar a vacinação e espera que países vizinhos ajudem Pyongyang, como a China.
Com a economia já fragilizada, o rígido bloqueio de fronteiras adotado pela Coreia do Norte para afastar a Covid enfraqueceu ainda mais o país. A situação se reflete na capacidade do governo para responder à pandemia, testar a população e oferecer estrutura de saúde e medicamentos adequados.
Com o avanço da doença, Kim Jong-un, ditador da Coreia do Norte, tem criticado o combate à pandemia de Covid-19 no país que ele mesmo governa, tentando jogar nos burocratas estatais a responsabilidade sobre o surto. Ele identificou, de acordo com a KNCA, “imaturidade na capacidade do Estado para lidar com a crise”.
O governo norte-coreano tem recomendado que a população procure as farmácias e utilize medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid. Entre as indicações estão gargarejos com chá de lonicera japonica, folhas de salgueiro ou água salgada, além da ingestão de antibióticos ou analgésicos.
O Exército norte-coreano foi convocado por Kim Jong-un para assegurar a distribuição de remédios pelo território.
Situação perigosa
Com a falta de informações oficiais claras, é difícil estimar como o vírus vai se comportar no país. “Nós não sabemos nada do país, não temos conhecimento das variantes que estão circulando”, lembra a infectologista e consultora de biossegurança da Sociedade Brasileira de Infectologia Sylvia Lemos.
O epidemiologista Pedro Hallal destaca que a situação é perigosa:
“Qualquer país (e, nesse caso, entra a Coréia do Norte), em que haja um surto e que não haja vacinação, é um potencial risco para o surgimento de novas variantes e para botar por água abaixo os avanços que a gente conquistou globalmente”.
Hallal aponta que é importante que o governo inicie a campanha de vacinação o mais rapidamente possível. “A tendência inicial é de grande contaminação e aumento não tão grande de mortes, pelo fato de a Ômicron ser um pouco mais leve”, explica.
“Mas é aquela coisa que a gente sempre explica: ela é mais leve, mas se tiver 10 vezes mais infectados, mesmo que se ela seja 10 vezes mais leve, vai seguir morrendo um número grande de pessoas”, observa o epidemiologista.
A vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Isabella Ballalai, lembra que a variante Ômicron é vista como menos agressiva, mas chegou ao Brasil quando a população já tinha boa cobertura vacinal.
“A Ômicron em pessoas sem vacinação não é incapaz de causar casos graves, nós tivemos mortes aqui, principalmente de não vacinados. Lá, com pessoas não vacinadas, há o risco de mais hospitalizações e mortes e mais jovens podem ter casos graves e morrer”, diz.
Para impedir que a situação piore ainda mais, Isabella ressalta a importância de uma estratégia especial de vacinação para a Coreia do Norte. “Os desafios que temos aqui não são nada comparado aos que tem lá. Aqui é uma coisa cultural, e apesar dos movimentos contrários o brasileiro procura a vacina.”
Desfile pode ter propagado doença
Um grande desfile militar para comemorar os 90 anos do Exército norte-coreano, realizado em 25 de abril, pode ter sido a grande brecha que ajudou a propagar o vírus no país.
Os militares exibiram material bélico em evento na praça Kim Il Sung, da capital, Pyongyang, com milhares de pessoas sem máscara ou distanciamento social.
Visitantes de outros países teriam se hospedado na Coreia do Norte para fotografar a ocasião. Na época, logo ao lado, na China, os vizinhos voltavam a enfrentar restrições severas para conter um novo surto da Covid.