Imagens de ataques nos EUA e na Nova Zelândia ainda são facilmente encontradas nas redes sociais
THE NEW YORK TIMES
O vídeo de 1 minuto e 30 segundos oferece uma visão pessoal enervante. Um homem atravessa um estacionamento. Em seguida, ele levanta uma arma semiautomática e atira em duas pessoas que estão numa porta. Uma cai, enquanto a outra tenta se afastar rastejando, antes de ser baleada novamente.
O vídeo em preto e branco foi postado no Facebook em 15 de março de 2019. Era uma gravação parcial da transmissão ao vivo de um atirador enquanto assassinava no mesmo dia 51 pessoas em duas mesquitas em Christchurch, na Nova Zelândia.
Durante mais de três anos, o vídeo permaneceu tranquilamente no Facebook, cortado em formato quadrado e desacelerado em certas partes. A cerca de três quartos da duração do vídeo, aparece um texto pedindo ao público que “Compartilhe ISTO”. O clipe acumulou cerca de 7.000 visualizações e 22 comentários, incluindo alguns que pediam que ele fosse deletado.
Textos online aparentemente ligados ao homem de 18 anos acusado de matar dez pessoas no sábado (14) num supermercado em Buffalo, no estado de Nova York, disseram que ele se inspirou na chacina de Christchurch para transmitir ao vivo o seu ataque. O clipe no Facebook –um das dezenas que estão online, mesmo depois de anos de trabalho para removê-los– pode ter sido em parte o motivo pelo qual foi tão fácil imitar as táticas do atirador de Christchurch.
Em uma verificação durante 24 horas nesta semana, o jornal The New York Times identificou mais de 50 vídeos e links na internet com imagens do atirador de Christchurch em 2019. Eles estavam em pelo menos nove plataformas e sites, incluindo Reddit, Twitter, Telegram, 4chan e o site de vídeos Rumble.
Três dos vídeos estavam postados no Facebook desde o dia dos assassinatos, de acordo com o Tech Transparency Project, grupo de vigilância do setor, enquanto outros foram publicados nesta semana.
Encontrar os vídeos e os links não foi difícil, apesar de Facebook, Twitter e outras plataformas terem prometido em 2019 eliminar as imagens, pressionadas em parte pela indignação pública com o incidente e por governos. Na sequência, empresas de tecnologia e governos se uniram, formando coalizões para reprimir conteúdo terrorista e extremista online.
No entanto, apesar de o Facebook ter eliminado 4,5 milhões de materiais relacionados ao ataque de Christchurch seis meses após os assassinatos, o que o New York Times descobriu nesta semana mostra que o vídeo de um assassino em massa tem uma pós-vida duradoura –e potencialmente eterna– na internet.
“Está claro que algum progresso foi feito desde Christchurch, mas também vivemos em um mundo onde esses vídeos nunca serão apagados completamente da internet”, disse Brian Fishman, ex-diretor de contraterrorismo do Facebook que ajudou a liderar a tentativa de identificar e remover os vídeos de Christchurch do site em 2019.
Para enganar algumas grandes plataformas, que geralmente dependem de inteligência artificial para remover conteúdo tóxico, as pessoas adicionaram marcas d’água ou filtros para alterar os clipes de Christchurch ou alteraram a velocidade de reprodução da gravação.
Outras começaram a divulgar os endereços dos vídeos na web, em vez de postar os clipes diretamente, para evitar a detecção por algoritmos que combinam vídeos de tiroteios com versões já conhecidas. Outras pessoas enviaram as cenas de Christchurch para plataformas menos populares, com menos regras de moderação de conteúdo.
Se a filmagem de Christchurch servir de guia, o ataque de Buffalo provavelmente persistirá na internet. O tiroteio foi transmitido por menos de dois minutos no Twitch, site de transmissão ao vivo de propriedade da Amazon, antes de ser cortado pela empresa. Mas foi o suficiente para alguém registrar a chacina e para que os links da gravação se espalhassem amplamente.
Esses links já apareceram no Facebook, no Reddit e no Twitter. Vídeos do ataque do atirador de Buffalo também foram enviados para Facebook, Twitter e WeChat, além de sites como Rumble, Parler e Truth Social, populares entre o público de direita, segundo especialistas e uma análise do New York Times.
Muitos sites disseram que estão trabalhando para eliminar os links e os clipes dos assassinatos de Buffalo, de modo que é improvável que proliferem tão amplamente quanto os de Christchurch. Mas mesmo que as filmagens de Buffalo possam “diminuir significativamente” nas principais plataformas, elas “nunca desaparecerão da internet”, disse Courtney Radsch, representante dos Estados Unidos na organização internacional de direitos humanos Article 19.
O Facebook, de propriedade da Meta, disse que para cada 10 mil visualizações de conteúdo na plataforma apenas cerca de cinco eram de material relacionado a terrorismo. Rumble e Reddit disseram que os vídeos de Christchurch violam suas regras e que eles continuam a removê-los. Twitter, 4chan e Telegram não responderam a pedidos de comentários.
O ataque de Christchurch apareceu online na tarde de 15 de março de 2019, quando o atirador começou a transmitir ao vivo os assassinatos em sua página no Facebook.
Seis minutos depois, a primeira gravação dos assassinatos foi enviada para um site de hospedagem de arquivos chamado Mega, conforme investigação do Departamento de Assuntos Internos da Nova Zelândia. Os sites de hospedagem de arquivos permitem que fotos, vídeos e outros conteúdos sejam armazenados e compartilhados em outras plataformas.