Como o Fundo rende sistematicamente abaixo da inflação, saque parece ser melhor opção
Folha de S Paulo – Notícias sobre o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) têm aparecido com frequência. Assunto não falta. Há várias novas modalidades de saque parcial do fundo; há projetos no Executivo de redução de alíquotas e de multas de demissão; há o temor por parte do setor de construção civil de que os recursos do fundo passem a ser insuficientes para as demandas de uso no setor; há a reclamação de que a remuneração do fundo esteja muito defasada num cenário de retorno de alta inflação; há a possibilidade de seu uso na privatização da Eletrobras.
A criação do FGTS em 1966 surgiu da necessidade de se oferecer segurança ao trabalhador que não teria mais direito à estabilidade decenal do emprego. A ideia era criar um mecanismo de poupança forçada que só poderia ser usada ao fim da vida laboral ou com a finalidade expressa de aquisição de moradia própria. Com contas vinculadas ao trabalhador, o dinheiro ali depositado não se misturaria aos recursos do erário. A própria administração tripartite do fundo conferiria a ele a segurança de que esses recursos não seriam tratados como impostos.
Várias mudanças foram implementadas desde 1966, afetando a intencionalidade original da lei de criação do FGTS. Nesse sentido, as mais importantes têm sido as que permitem acesso aos recursos do fundo sem as condicionalidades usualmente impostas ao seu uso. O motivo da mudança é o oposto ao da criação do fundo: liberar recursos travados como poupança para estimular o consumo imediato das famílias.
Acesso imediato e incondicional a uma parte da conta individual do FGTS não é necessariamente algo que gere perdas de bem-estar para a sociedade. Há diversos motivos para se acreditar que, do ponto de vista individual, acesso aos recursos do FGTS possa gerar benefícios, sobretudo para trabalhadores restritos em crédito ou que preferem não esperar sua aposentadoria para consumir suas reservas. Há ainda aqueles que querem sacar para poder reinvestir os recursos em ativos mais rentáveis do que o FGTS, que, ano após ano, oferece retornos abaixo da inflação.
A crítica aos saques recorrentes parte do receio de que eles acabem por reduzir o montante disponível para utilização pela construção civil e, portanto, encareçam o crédito a empresas do setor. Crédito subsidiado todo mundo quer. Contudo, o seu custo para a sociedade deveria estar explícito. Quais outros projetos de investimento poderiam ser ou mais rentáveis ou socialmente mais desejáveis do que os de construção civil? Qual o ganho de eficiência que existe ao reduzir a má alocação de capital a projetos ruins?
Uma crítica que me parece mais razoável à autorização de saques do fundo é que talvez precisemos de alguma poupança forçada. Trabalhadores que chegarem ao fim da vida laboral sem terem juntado recursos suficientes para a velhice estariam melhores se tivessem sido forçados a poupar. Indivíduos podem acabar tomando decisões equivocadas sobre quanto poupar, sobretudo quando sujeitos à incerteza e informação incompleta; podem tomar decisões que não sejam consistentes intertemporalmente; e podem agir oportunisticamente, antevendo que haverá, ao fim, suporte governamental para sustentar sua velhice. Sob essas condições, a liberação dos saques do FGTS pode vir a ser maléfica para a sociedade.
A poupança forçada, porém, não deveria implicar subremuneração. As contas individuais deveriam render como outras aplicações conservadoras, tais como as em títulos do Tesouro. Não é, definitivamente, o que acontece hoje. A TR, usada para remunerar o FGTS, foi 0,04% em março deste ano, muito abaixo da inflação ou do que pagam os títulos do Tesouro.
Enfim, dados o uso potencialmente desastroso desses recursos e o derretimento das contas individuais com inflação alta, talvez seja mesmo melhor para a sociedade permitir saques recorrentes e parciais do FGTS.