Em passeata, eles pediram respeito, segurança e preservação do direito de ir e vir
Dezenas de moradores de bairros na área central de São Paulo se reuniram no largo do Arouche, neste sábado (21), e caminharam até a prefeitura, no viaduto do Chá, com palavras de ordem como “Solução. Crack, não”.
Folha de S Paulo – Composto de moradores de Santa Cecília e Campos Elíseos, o grupo se diz revoltado com o fluxo —termo usado para identificar a concentração de usuários de droga.
Após a operação deste mês na praça Princesa Isabel, dependentes e traficantes têm se aglomerado em diferentes ruas da região, como a Helvétia, entre a avenida São João e alameda Barão de Campinas, e a Doutor Frederico Steidel, entre as avenidas São João e Duque de Caxias.
Os manifestantes exibiram cartazes nos quais pediam por respeito, segurança e a preservação do direito de ir e vir.
Um ou outro integrante bateu panela e tocou corneta, e quase todos portavam apitos.
Charles Menezes, um dos organizadores e morador da Santa Cecília, abriu o ato com microfone e uma pequena caixa de som.
Antes disso, um homem se rebelou contra o ajuntamento e gritava “elite rastaquera”. Ele argumentou que convivia com a presença de usuários de drogas e corria risco de segurança, diariamente, na Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte da cidade.
Menezes leu um manifesto com 15 pontos durante a passeata.
“Moradores e comerciantes passaram a conviver com assaltos diários, furtos, ameaças, venda e consumo de droga ao ar livre”, diz um trecho.
“Além disso, novamente, houve furto de fiação e os bairros adjacentes foram prejudicados.”
O documento afirma, ainda, que com “conivência do Estado, usuários e traficantes estão transformando a vida das pessoas da região em um verdadeiro inferno”.
Vários moradores se revezaram no microfone e direcionaram críticas à prefeitura e ao governo paulista. Na avaliação deles, falta um plano para romper com a cracolândia de forma definitiva, um problema crônico da capital.
A intenção dos manifestantes era deixar claro que não queriam mais uma transferência da cracolândia.”Esse é um problema da cidade de São Paulo. Não adianta dispersar aqui ou ali, não é isso que queremos”, disse Menezes.
Ficou estabelecido que, durante os discursos, nenhum manifestante gritasse “fora, cracolândia”. Esta frase foi dita durante protesto dos moradores nesta sexta (21). Por volta das 18h30, esse grupo ocupou as pistas do elevado Presidente Goulart, na altura da rua Ana Cintra.
Tião Nicomedes, representante de uma associação dos moradores de rua, pediu a palavra e aprovou a postura do grupo.
“Nós também não queremos perder, todos os anos, um irmão de rua por causa do frio. Não queremos ninguém morto pela polícia, como foi o Raimundo. Precisamos de solução por ser um problema de saúde pública, de acolhimento e até, se possível, moradia”, afirmou Nicomedes, que desde 2008 deixou de viver em situação de rua.
Raimundo Nonato Fonseca Júnior, 32, dependente químico, foi morto no último dia 12 com um tiro na avenida Rio Branco. Três policiais civis confirmaram terem atirado contra usuários de drogas que estavam aglomerados na via no mesmo dia.
À Folha, Menezes reclamou que os frequentadores da cracolândia contam com apoio de ONGs, igrejas e lideranças religiosas, entre outros, enquanto os comerciantes estavam desassistidos e os moradores, desamparados.
Elizabeth Melo Rocha, moradora da Helvetia há 11 anos, diz que, desde a aglomeração da cracolândia na rua, só consegue deixar o prédio onde mora pelo portão da garagem, na alameda Barão de Campinas.
“Tenho uma vizinha que a situação é pior, o prédio dela não tem garagem, e a única guarita está tomada por moradores de rua”, diz a mulher.
Segundo Elizabeth, além do incômodo com o barulho e do cheiro de fezes, serviços como o que recolhe o lixo e outros, como o da Enel, estão comprometidos.
Um vizinho de Elizabeth, que não quis se identificar, mostrou à reportagem os chamados feito à prefeitura por meio do canal 156 para que o serviço de zeladoria promovesse uma limpeza na Helvétia.
Como resposta, o serviço da prefeitura diz que a “equipe tenta aproximação, porém, sem sucesso, local de alto risco, usuários em cena de risco”.