Em 2015, o Supremo Tribunal Federal proibiu que partidos e candidatos em campanha recebam doações de empresas; especialistas dizem que isso pode se aplicar ao caso da central sindical
O Globo – O secretário de comunicação da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Roni Barbosa, afirmou em uma videoconferência interna que a entidade contratou uma empresa de publicidade para ajudar a disparar mensagens pró-Lula em grupos de WhatsApp. A Justiça, no entanto, proíbe financiamento de campanha por meio de empresas.
No vídeo, obtido e publicado pelo site “Metrópoles”, Barbosa explica a iniciativa da CUT para criar uma rede de grupos de WhatsApp, as chamadas “brigadas digitais”, administrados por militantes interessados, que seriam alimentados por conteúdo favorável à pauta trabalhista e contra o presidente Jair Bolsonaro, para ser distribuído para amigos e conhecidos.
— Organizar uma brigada digital é nada mais, nada menos que organizar um grupo de WhatsApp. Organiza os mais vermelhinhos dentro de um grupo, e vamos convencer toda a turma aí que esse ano é Lula, precisamos derrotar o Bolsonaro — afirma Barbosa.
Em seguida, ele fala da contratação de uma empresa para trabalhar nos disparos:
— Nós contratamos agências de publicidade, contratamos empresa especializada para ajudar nessa tarefa de mandar as mensagens, organizar isso tudo. Preparamos toda essa infra(estrutura) para que isso dê certo.
O Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu em 2015 que partidos e candidatos em campanha recebam doações de empresas — o que, segundo especialistas, pode enquadrar o caso da CUT, já que a contratação e os esforços da entidade envolvem dinheiro.
Advogados especializados em direito eleitoral divergem sobre um eventual comprometimento do PT com o mutirão digital, mas dizem existir possibilidade de irregularidade por parte da própria central. Ainda que não haja disparos em massa, como ocorrido na eleição de 2018, o envolvimento de uma empresa, com e-mails, representantes e estrutura, é irregularidade mais visível.
O advogado Alexandre Rollo afirma que o caso esbarra numa decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que definiu o financiamento empresarial, direto ou direto, como ilegal.
— O fato de pessoas físicas se juntarem e organizarem grupos de WhatsApp, não vejo problema nenhum, porque está dentro da liberdade de expressão. Mas aqui temos uma pessoa jurídica emprestando apoio para uma determinada candidatura, e elas (empresas) não podem se envolver no processo eleitoral. Essa seria a ilegalidade — diz Rollo.
O advogado Acácio Miranda, doutor em direito constitucional e professor de direito eleitoral, diz ver um agravante na iniciativa da CUT por envolver custeio público, “ainda que tenha havido uma desestruturação do imposto sindical”.
— Todos nós temos a nossa liberdade de manifestação. Mas ela é individual, não é institucional. Especialmente quando nós pensamos numa instituição que é financiada com dinheiro público. Creio que haja uma ilegalidade — declara.
Diretor do InternetLab e especializado em questões envolvendo eleições e internet, Francisco Brito Cruz não entende como problemática a mobilização, pois, para ele, um sindicato é uma forma de representação política de seus associados, que têm interesse em temas abordados pelo mutirão da CUT, como a reforma trabalhista.
— A CUT organizar grupos de WhatsApp para enviar mensagens e comunicação política é normal. Aliás, é até esperado que façam — diz Cruz.
Procurada, a CUT respondeu, por meio de nota, que “os integrantes das Brigadas Digitais são pessoas físicas que se inscreveram e se cadastraram voluntariamente na ferramenta e deram consentimento para receber tudo que é produzido pelo setor de comunicação da CUT porque querem, espontaneamente, conhecer e divulgar as ações desenvolvidas pela Central”.
Também complementou que “a CUT não fez, não faz e não vai fazer propaganda político partidária. A CUT historicamente sempre se posicionou nos processos eleitorais, mas nunca pediu, não pede e não vai pedir voto para qualquer candidato. As Brigadas são também um instrumento para que possamos combater, junto às nossas bases sindicais, a disseminação das mentiras, calúnias e o ódio que tomou conta das redes sociais a partir de 2018.
Já a assessoria de Imprensa do PT diz que os procedimentos mencionados na reportagem são de iniciativa da central sindical e não do partido ou da pré-campanha.
Nos termos de uso da plataforma criada pela CUT para cadastrar os grupos, consta que os conteúdos são controlados pela entidade sindical e operados pela Mapeo Serviços de Inovação Tecnológica Ltda. A plataforma mantém uma série de regras para os cadastrados nas brigadas digitais, como a não veiculação de conteúdo abusivo, vexatório, difamatório ou que incite violência, utilização de robôs, disseminação de software malicioso, prática de falsidade.
Em seu site, a Mapeo diz que “nós entendemos os aplicativos de mensagens como redes de pessoas e não como canais de mão única, por isso não fazemos nem recomendamos disparos massivos caracterizados como spam ou comportamento abusivo, inclusive porque deteriora a imagem e não melhora”.
Em outubro do ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu arquivar por falta de provas duas ações que pediam a cassação da chapa que elegeu o presidente Jair Bolsonaro e o vice-presidente Hamilton Mourão em 2018. A chapa era acusada de impulsionar ilegalmente mensagens em massa via WhatsApp durante a campanha, além de fraude por usar nome e CPF de idosos para registrar chips de aparelhos celulares utilizados para fazer os disparos.
Por maioria de votos, o TSE decidiu que o uso de aplicativos de mensagens instantâneas, com disparos em massa de desinformação e inverdades em prejuízo de adversários pode configurar abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social. É esta tese que vai balizar os julgamentos de ações envolvendo redes sociais e aplicativos de mensagens nas campanhas deste ano.