Implicações econômicas do conflito, com gás usado como arma por Moscou, fazem Alemanha recorrer ao uso do carvão
F SAO PAULO – A Guerra da Ucrânia pode durar anos, afirmou o secretário-geral da Otan, a aliança militar ocidental, em entrevista ao jornal alemão Bild publicada neste domingo (19). “Não devemos abandonar nosso apoio a Kiev”, disse o norueguês Jens Stoltenberg.
Mais de 110 dias após o início da invasão russa, ele sustentou que o apoio militar precisa ser mantido, independente dos altos custos econômicos e políticos. “Esse preço não é nada se comparado com o que pagam os ucranianos”, disse, acrescentando que as consequências seriam bem maiores no caso de a Rússia vencer o conflito.
Armas modernas aumentam a probabilidade de a Ucrânia repelir as tropas de [Vladimir] Putin no Donbass”, seguiu Stoltenberg, referindo-se ao leste russófono do território ucraniano onde estão as duas autoproclamadas repúblicas separatistas e onde Moscou concentra seus efetivos e ataques ao longo das últimas semanas.
Os russos voltaram a afirmar que sua ofensiva em Severodonetsk, cidade localizada em Lugansk, que controlam parcialmente, obteve sucesso. O Ministério da Defesa russo afirmou em comunicado que a região de Metiolkine, na periferia da cidade, havia sido tomada, informação que não pôde ser checada de forma independente.
Em uma guerra de narrativas típica, Kiev também disse ter tido êxitos ao frear o avanço das tropas russas nos arredores de Severodonetsk, na região de Tochkivka. “Todas as declarações dos russos segundo as quais controlam a cidade são mentira”, escreveu o governador Serhii Haidai em um aplicativo de mensagens.
As falas do secretário-geral da Otan ao jornal alemão se assemelham a declarações dadas pelo premiê do Reino Unido, Boris Johnson, no sábado (18). Ele, que fez uma visita surpresa a Kiev na véspera, disse que está se formando uma “fadiga da Ucrânia”. Mas ressaltou: “Nesse momento, é importante mostrar que estamos com eles a longo prazo, que estamos dando a eles a resiliência estratégica da qual precisam.”
Declaração semelhante foi feita pela chanceler da Alemanha, Annalena Baerbock, em maio, quando disse que o Ocidente está cansado do conflito. “Chegamos a um momento de fadiga”, afirmou, logo acrescentando que esse é justamente o desejo de Moscou.
Recente pesquisa revela que esse sentimento parte também da sociedade europeia. O levantamento do Conselho Europeu de Relações Exteriores mostrou que, enquanto todos se dizem favoráveis ao fim do conflito, cerca de 35% dizem preferir que isso ocorra mesmo que a Ucrânia tenha de ceder.
O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, publicou um vídeo neste domingo no qual descreve as tropas de seu país como confiantes. “Olhando em seus olhos, é óbvio que eles não duvidam da nossa vitória”, comentou após encontrar com soldados em Mikolaiv e em Odessa, ao sul do país.
“Não entregaremos o sul a ninguém, o mar será ucraniano e seguro”, seguiu Zelenski, referindo-se a sucessivas tentativas russas de utilizar os portos ucranianos para escoar grãos. Para isso, Moscou exigiu que Kiev retirasse as minas e desmilitarizasse as áreas, algo que o governo ucraniano afirma ser uma tentativa de atacar o país pelo sul.
CONSEQUÊNCIAS ECONÔMICAS E CLIMÁTICAS NA EUROPA
Desdobramento direto da guerra, a Alemanha anunciou também neste domingo um pacote de medidas de emergência para suprir suas necessidades energéticas e diminuir a dependência do gás que vem da Rússia. O ponto principal gira em torno do carvão, combustível fóssil que voltará a ser priorizado por ora.
“Trata-se de uma medida dolorosa, mas imprescindível para reduzir o consumo de gás”, afirmou o ministro das Finanças e Ação Climática, Robert Habeck, dos Verdes, em comunicado. “A situação é grave.”
Os anúncios vêm após as entregas da gigante russa Gazprom por meio do gasoduto Nord Stream 1 serem reduzidas em 40% nesta semana. Moscou alega problemas técnicos de infraestrutura, mas Berlim atribui a queda no fornecimento a uma decisão política russa em resposta ao apoio da União Europeia (UE) a Kiev. Outras nações, como França, também foram consequentemente afetadas.
A decisão alemã pode ter implicações domésticas, já que marca uma mudança de política da coalizão governante formada pelo social-democrata SPD, ao qual pertence o premiê Olaf Scholz, Os Verdes e o liberal FDP e que prometeu reduzir o uso de carvão até 2030.