Grupo faz parte do esquema inédito que a Polícia Federal montou para atuar nas eleições deste ano
O Globo – Numa sala no sétimo andar do novo prédio da Polícia Federal, em Brasília, sete homens se debruçam sobre três telas de computador cada um. Com softwares próprios para o cruzamento de dados, eles fazem varreduras nas redes sociais, monitoram grupos de apoiadores políticos e analisam documentos compartilhados pela Receita Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. O grupo, que integra Divisão de Crimes Eleitorais (DRCE), faz parte do esquema inédito que a Polícia Federal montou para atuar em três frentes nas eleições deste ano: ações contra campanhas de fake news na internet; influência de milícias e facções criminosas; e transações financeiras suspeitas que possam impactar a disputa eleitoral.
— As demandas eleitorais passam agora a ser a prioridade absoluta da Polícia Federal — disse ao GLOBO o delegado Cleo Mazzotti, chefe da Coordenadoria-Geral de Repressão a Crimes Fazendários, que comanda a divisão de crimes eleitorais e cibernéticos. Para realizar esse trabalho, as duas divisões devem atuar em cooperação com as duas diretorias mais importantes da corporação, a Diretoria de Combate ao Crime Organizado e à Corrupção (Dicor) e a Diretoria de Inteligência Policial (Dip).
Na área da desinformação, a PF deve focar no monitoramento de grupos no Telegram e WhatsApp e páginas no Twitter, Facebook e Instagram em busca da ação de robôs e campanhas patrocinadas. Os agentes também farão o rastreamento de vídeos e áudios super editados com inteligência artificial – os chamados deep fakes, que clonam a imagem e voz de políticos para os colocarem em situações que nunca ocorreram. Reportagem do GLOBO mostrou que há no Brasil quatro sites oferecendo a simulação da fala de políticos, como Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A PF também deve ficar de olho nas movimentações na chamada dark web, que costuma ser utilizada por quadrilhas de prostituição infantil e tráfico de drogas e armas. Considerada a parte mais sombria da web, a rede é formada por sites e fóruns que não são indexados por mecanismos de busca tradicionais, como o Google — nessas redes foram planejados ataques hackers a órgãos públicos.
Os agentes que fazem parte da equipe chegam nas eleições deste ano com o expertise acumulada das operações da PF feitas pela por ordem do Supremo Tribunal Federal contra uma dúzia de influenciadores bolsonaristas que espalhavam notícias falsas sobre a Corte. O relator do inquérito — aberto em 2019 e anexado em 2022 à investigação das milícias digitais — é o ministro Alexandre de Moraes. Em decisão assinada por ele, em 2020, ele escreveu que a perícia da PF descobriu a existência de uma “associação criminosa” e um “mecanismo coordenado” para a disseminação de notícias falsas que atingiam um “público diário de milhões de pessoas, expondo a perigo de lesão (…) a independência dos poderes e o Estado de Direito”.
No campo das movimentações financeiras, a Polícia Federal já começou a receber e analisar os chamados RIFs (Relatórios de Inteligência Financeira), que trazem indícios de lavagem de dinheiro, ocultação de bens e caixa dois praticados por candidatos — os documentos são enviados pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), ligado à Receita.
Além disso, os agentes também devem fazer um pente fino em cima das declarações entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O GLOBO, por exemplo, mostrou que o deputado Josimar Maranhãozinho (PL-MA), flagrado em uma ação da PF manuseando caixas de dinheiro, teve um aumento patrimonial da ordem de R$ 10 milhões nos últimos quatro anos.
Milícias e facções
A influência política de milícias e facções criminosas também é outra preocupação da PF, que deve focar na investigação de homicídios motivados por disputas territoriais e ocorrência de currais eleitorais.
— Não vou dizer que está aumentando, mas sempre existiu e hoje existe em uma escala preocupante — diz o delegado Mazzotti.
Em março deste ano, a PF do Rio de Janeiro deflagrou uma operação para desarticular uma milícia que atuava na Baixada Fluminense extorquindo a população com venda de serviços de TV e internet (o chamado “gatonet”), botijão de gás e serviço de mototáxi — 19 mandados de prisão preventiva foram cumpridos, entre eles do vice-presidente da Câmara de Nilópolis. Em 2020, durante a campanha eleitoral, outros 12 mandados de busca e apreensão foram cumpridos em endereços ligados ao ex-vereador Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho (morto a tiros na última semana) e o seu irmão, o ex-deputado estadual Natalino Guimarães — os dois são acusados de fundarem o maior grupo de milicianos do Rio.
Ao todo, a Polícia Federal tem 3.924 inquéritos policiais em andamento relacionados ao processo eleitoral — desses, 985 foram instaurados só neste ano. E o número deve aumentar nos próximos meses, já que será a primeira eleição em que fake news será considerado de fato uma infração eleitoral.
A lei entrou em vigor no ano passado e prevê pena de 2 meses a um ano para quem “divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período da campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado”. O mais grave, no entanto, é a possibilidade de cassação do mandato, conforme tem apontado a jurisprudência no TSE.
— Será a primeira eleição sob a égide desse crime. Em 2020, não era crime — afirmou o delegado da PF Alexandre de Andrade. Desde julho, ele coordena a Divisão de Crimes Eleitorais. Recém-promovida a divisão (antes, era um setor), a delegacia conta hoje com um total de 15 investigadores que se dedicam em tempo exclusivo a fazer o monitoramento nas redes sociais para apurar a disseminação orquestrada de fake news — antes, o efetivo era de apenas quatro pessoas.
Para capacitar os investigadores à nova realidade virtual, a PF ainda elaborou neste ano um manual de procedimentos para orientar sobre como se deve lidar com denúncias de fake news — o documento é sigiloso por tratar de técnicas e softwares utilizados nas investigações.
— Atualizamos o fluxograma de tratamento e processamento de notícias falsas, desde o momento em que essa notícia crime chega ao nosso conhecimento, da superintendência regional a uma delegacia no interior. Definimos o que deve ser priorizado para não se perder a materialidade daquele conteúdo, identificar o provedor, requisitar a preservação dos elementos e tentar afastar o sigilo de quem criou aquela postagem — afirmou Andrade, que destacou a diferença do dano de crimes de fake news com os de calúnia, difamação e injúria contra candidatos, que já são objeto antigo de investigações no período eleitoral.