Levantamento do Instituto Sou da Paz, em parceria com o GLOBO, mostra que pelo menos 23 estados têm projetos de lei que propõem corte ou isenção da alíquota
O Globo – Após investir no lobby para a liberação do porte, armamentistas têm recorrido às assembleias legislativas para tentar reduzir, ou até isentar, o ICMS sobre armas de fogo. Um levantamento do Instituto Sou da Paz, em parceria com o GLOBO, mostra que pelo menos 23 estados têm projetos de lei (PLs) que propõem a alteração da alíquota. Dos 35 PLs apresentados, 21 são voltados a profissionais da segurança pública, como policiais civis e militares, bombeiros, guardas municipais e agentes penitenciários. Outros 14 incluem no rol de beneficiários Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs).
Segundo o levantamento, quatro dos 35 PLs já viraram lei e uma delas contempla, além de agentes de segurança, os CACs. Do total, apenas quatro foram criados antes do atual governo. Pleitear a isenção de impostos para armas e uniformes de agentes de segurança não é uma demanda tão recente, em especial por parte de estados que sofrem com a falta de equipamentos. A novidade é a inclusão de CACs, categoria amplamente beneficiada na facilitação do acesso a armas de fogo e munições. Em quase quatro anos, o número de brasileiros que se tornaram CACs quase quintuplicou — de 117 mil, em 2018, para os atuais 605 mil, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Felippe Angeli, gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz, ressalta que as armas, assim como o tabaco e o álcool, precisam ter um imposto diferenciado pelas consequências que trazem à sociedade. Ele conta que a primeira vez em que ouviu armamentistas falando sobre isenção e redução de impostos para armamento achou “uma proposta ousada até para eles”:
— Eles se valem do pensamento liberal, de que não tributam a liberdade e de que a arma é para defender a família. Mais uma vez, o lobby armamentista está direcionando o Estado para longe de onde o povo quer. Os estados deveriam discutir a melhoria da educação, do acesso à alimentação, ao trabalho.
Desde que assumiu, o presidente Jair Bolsonaro fez um esforço sem precedentes para colocar em curso um de seus principais motes de campanha. Foram mais de 30 atos normativos, entre decretos, portarias e resoluções, para facilitar a compra, o registro, a posse e o porte de armas. Na tentativa de frear a investida, partidos entraram com ações no Supremo Tribunal Federal (STF) e parte desses atos foram suspensos. Inclusive a tentativa do governo federal de baixar de 20% para zero a alíquota de importação de revólveres e pistolas.
A estratégia de usar os estados para legislar em favor dos atiradores foi a forma que os armamentistas encontraram para contornar a contra-ofensiva da oposição a Bolsonaro. O grupo já conseguiu autorizar o porte de armas a CACs em, pelo menos, oito estados. É o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) quem lidera o lobby nas assembleias.
No dia 9 de julho, em evento realizado em Brasília pelo Proarmas, maior grupo armamentista do país, o parlamentar instigou deputados estaduais a seguirem o exemplo de Alagoas, o primeiro estado a aprovar a redução de ICMS para CACs. “A regulamentação está mudando, as leis estaduais estão chegando. Pessoal, vamos bater uma salva de palmas aos deputados estaduais que entraram com projeto de lei reconhecendo a periculosidade da atividade de atirador e caçador. Segunda-feira, missão: entrar com projeto de lei igual ao do cabo Bebeto para reduzir o ICMS de armas dos seus estados”, disse.
Para Isabel Figueiredo, conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a tática de usar os estados para legislar em benefício dos atiradores é inconstitucional. Muitos que pleiteiam o porte, inclusive, já estão sendo contestados no STF.
— Ao incluir os CACs nos PLs, caem no mesmo erro da inconstitucionalidade das leis. Como justificar o interesse público da redução, a não ser o populismo político? Não há justificativa técnica para beneficiar a categoria — diz Isabel.
Alagoas, o pioneiro
Alguns dos PLs que propõem a isenção do ICMS para armas são de deputados com origem nas polícias. É o caso do projeto de Alagoas, proposto pelo cabo Bebeto (PL), que virou lei em dezembro de 2020 e reduz de 29% para 12% o imposto sobre armas de fogo para agentes de segurança e CACs. Segundo Bebeto, Alagoas não tinha uma arrecadação relevante oriunda da venda de armas, e muitos CACs compravam exemplares em Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco:
— Quando aprovamos o projeto, Alagoas se tornou o estado que vende as armas mais baratas do Brasil e o alagoano voltou a comprar aqui. A lei mostra, na prática, que com o imposto mais barato o comerciante vende mais, o cidadão paga menos e o estado arrecada mais. Favorece todo o ciclo —diz.
Segundo dados da Secretaria da Fazenda de Alagoas, o estado quase dobrou o número de armas de fogo comercializadas depois da aprovação da lei. No primeiro semestre de 2020, foram 951 exemplares, diante de 1.734 no mesmo período de 2021. Nos primeiros seis meses de vigência da lei, também houve um incremento na arrecadação de impostos, de R$ 6,6 milhões para R$ 16,5 milhões.
— Se essas leis, de fato, incentivarem CACs a terem mais armas, cairemos nos problemas já conhecidos, como aumento da violência, desvio das armas para a criminalidade como um todo e ainda mais falta de controle do Exército — afirma Isabel.