Agentes do Departamento de Justiça desconfiaram que ex-presidente não entregou todos os itens pedidos pelo Arquivo Nacional, e dúvida levou à operação de busca no começo do mês
O Globo – Um lote de documentos obtido pelo Arquivo Nacional e que estava com o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, em janeiro, incluiu mais de 150 itens marcados como sigilosos, um número que levantou suspeitas no Departamento de Justiça e ajudou a dar início à investigação criminal que levou a uma busca na residência de Mar-a-Lago, no começo do mês, segundo pessoas com conhecimento do caso.
Ao todo, o governo recuperou mais de 300 documentos apontados como sigilosos e que estavam com Trump desde que deixou o cargo: o lote inicial veio em fevereiro, enquanto outros papéis foram entregues por assessores em junho e, finalmente, o material obtido pelo FBI.
O volume anteriormente não reportado de documentos sigilosos com Trump ajuda a explicar os motivos que levaram o Departamento de Justiça a se mover de forma tão urgente para descobrir se ele tinha mais itens. E o número de documentos mantidos em Mar-a-Lago por meses, mesmo depois dos pedidos do departamento para que fossem devolvidos, sugere que o ex-presidente ou seus assessores os manusearam de forma descuidada, ou então não cumpriram as ordens dos investigadores.
Ainda não se sabe o que estava com Trump. Mas as 15 caixas entregues por Trump em janeiro ao Arquivo Nacional, quase um ano depois de deixar o cargo, incluíam documentos da CIA, da Agência de Segurança Nacional e do FBI, mencionando uma série de tópicos de segurança nacional.
Trump manuseou as caixas no final de 2021, de acordo com pessoas envolvidas no caso, antes de entregá-las.
O aspecto sensível de alguns dos itens nas caixas levaram o Arquivo a procurar o Departamento de Justiça, que em meses organizou uma investigação de grande júri.
Assistentes de Trump entregaram alguns documentos durante uma visita de agentes do departamento a Mar-a-Lago em Junho. Ao final das buscas, no dia 8 de agosto, eles estavam com 26 caixas, incluindo 11 conjuntos de itens marcados como secretos, que traziam outros documentos adicionais. Um deles tinha o mais alto nível de classificação, o de ultrassecreto.
A investigação está em curso, sugerindo que alguns integrantes do governo federal não estão certos de que todo o material foi recuperado.
Mesmo depois da extraordinária decisão do FBI de realizar uma operação de busca em Mar-a-Lago, investigadores pediram imagens de câmeras de segurança do clube, segundo pessoas com conhecimento do inquérito.
Foi a segunda demanda do tipo, e ressaltou como as autoridades estão analisando a forma como Trump e sua equipe manusearam os itens antes das buscas. Pedidos de comentários feitos para o ex-presidente e o FBI não tiveram resposta.
Sigilo
Os aliados de Trump insistem que o presidente tinha um “ordem permanente” para retirar o sigilo de documentos que levou consigo quando deixou o cargo, e que funcionários do governo, e não do ex-presidente, empacotaram as caixas.
Não há informações de que Trump tenha retirado o sigilo do material, e os potenciais crimes citados pelo Departamento de Justiça ao requisitar a busca em Mar-a-Lago não fazem menção ao status dos documentos.
O Arquivo Nacional passou boa parte do ano passado tentando reaver o material que estava com Trump, depois de saber que duas caixas de itens relacionados à Presidência ficaram jogadas na Casa Branca por meses. Pela legislação americana, todos os itens oficiais continuam sendo de propriedade do governo americano, e precisam ser entregues ao final do mandato.
Dois ex-integrantes da Casa Branca tentaram facilitar o retorno do documento, mas o ex-presidente descrevia aquelas caixas como se fossem dele, segundo três pessoas que tiveram acesso a esses comentários.
Imagens de câmeras
Logo no início da investigação, o Departamento de Justiça viu que havia documentos sigilosos que precisavam ser retomados. Em maio, após uma série de entrevistas com testemunhas, o departamento emitiu uma intimação para que o material restante fosse entregue.
No dia 3 de junho, Jay Bratt, chefe da unidade de contraespionagem do Departamento de Justiça, foi até Mar-a-Lago se encontrar com dois dos advogados de Trump, Evan Corcoran e Christina Bobb, e recuperar algum material. Corcoran foi até as caixas para identificar os itens sigilosos, e mostrou o depósito onde o resto dos itens eram mantidos — Trump apareceu rapidamente durante a visita.
Os agentes pegaram os documentos, e Corcoran escreveu uma declaração, a qual Bobb, que tem a custódia dos documentos, assinou. Ela dizia que, em seu conhecimento, todo o material sigiloso havia sido devolvido. Os dois advogados não fizeram comentários para a matéria.
Logo depois da visita, investigadores que estavam conversando com várias pessoas do círculo de Trump, passaram a acreditar que havia outros materiais ainda não entregues.
No dia 22 de junho, o Departamento de Justiça intimou a Organização Trump para que fornecesse as imagens de câmeras de segurança de Mar-a-Lago, incluindo as de um salão do lado de fora da área de armazenamento. O clube mantém as imagens por até 60 dias e, em sua maioria, mostravam funcionários caminhando pelo corredor. Algumas, porém, revelavam pessoas movimentando caixas e documentos. Agora, o Departamento quer ter acesso a imagens anteriores à busca do dia 8 de agosto.
Os agentes federais apontam que seu objetivo inicial era garantir a segurança de documentos sigilosos mantidos em Mar-a-Lago, um clube que mantém pouco controle de quem entra ali. Ainda não se sabe se a investigação vai levar a um processo criminal.
Durante a busca do dia 8 de agosto, os agentes encontraram novos documentos na área de armazenamento no porão de Mar-a-Lago, assim como em um closet no escritório de Trump. Os aliados dele atacaram as agências federais, dizendo se tratar de uma investigação partidária.