Ex-ministra disse que petista tem condições de derrotar Bolsonaro; candidato do PT revelou que ainda vê necessidade de buscar o voto do eleitor que hoje está com o atual presidente
O Globo – A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede) declarou apoio ao candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva. O anúncio foi feito nesta segunda-feira em pronunciamento para jornalistas em São Paulo.
— Olhando para o que está acima de nós, manifesto meu apoio de forma independente ao candidato e futuro presidente Luiz Inácio Lula da Silva — afirmou. — Compreendo que neste momento crucial da nossa História quem reúne as condições para derrotar Bolsonaro e a semente maléfica do bolsonarismo é a sua candidatura.
O apoio de Marina indica uma sinalização de Lula ao eleitor de centro e também pode ajudar a conquistar o votos evangélicos, segmento em que Bolsonaro leva ampla vantagem. Marina é seguidora da Assembleia de Deus desde 1996. Fora do microfone, o candidato do PT revelou que vê necessidade de buscar o eleitor que ainda está com o atual presidente.
— Não é só o voto do Ciro (Gomes) e da Simone (Tebet), é também o voto dos que querem votar no Bolsonaro. Vamos ter que ganhar muito (voto) dele — disse Lula, enquanto Marina respondia a uma pergunta sobre como poderia atuar para trazer para o petista os eleitores que hoje estão com os candidatos do PDT e do MDB.
Evitando repetir o nome do presidente, Marina Silva criticou as ameaças à democracia e o retrocesso ambiental promovido pelo atual governo, além da volta da fome entre famílias em condições de extrema pobreza e o ataque a povos indígenas.
— Estamos vivendo aqui um reencontro político e programático. Porque do ponto de vista das nossas relações pessoais, tanto eu quanto o presidente Lula nunca deixamos de estar próximos e de conversar, inclusive em momentos dolorosos de nossas vidas. Nosso reencontro político e programático se dá diante de um quadro grave da política do nosso país, diante de uma ameaça, a ameaça das ameaças, à nossa democracia — disse a ex-ministra, que começou seu discurso com um agradecimento a Deus, à filha, a companheiros de partido e “amigos da jornada de longos tempos”, como o economista Eduardo Giannetti, presente no evento.
Perguntada sobre o que a levava a essa reaproximação, Marina disse que o momento do país pesou e que esse é um encontro “em defesa dos interesses estratégicos do Brasil”. Segundo ela, o país está entre “democracia ou barbárie”.
— É pela responsabilidade com o que está acontecendo com nosso país. Relações políticas e institucionais estão sendo destruídas. Precisaremos de uma grande bancada comprometida com o povo brasileiro para reverter tudo isso.
‘Estado é laico’
Marina também criticou o uso da religião na atual campanha, reforçou que o Estado é laico e que deve garantir políticas públicas a todos:
— O maior mandamento de Jesus é o mandamento de amor, e essa deve ser sempre a orientação de quem professa a fé cristã. Qualquer coisa que leve ao caminho do ódio, ao exclusivismo político ou religioso não é bom, e desrespeita a nossa Constituição. Nunca fiz do palanque um púlpito. Nossa Constituição assegura liberdade religiosa, direito de crer ou não crer. O Estado brasileiro é laico, e com esse espírito devemos fazer o que na democracia e em um Estado laico se faz.
A ex-ministra evitou se comprometer em fazer um esforço direto em busca do eleitor evangélico.
— Temos uma realidade política do nosso país que é como lidar com uma mistura complexa e delicada de fundamentalismo político com fundamento religioso.
Marina criticou, ainda, a disseminação de notícias falsas de que Lula fecharia igrejas evangélicas caso eleito.
— Em dois mandatos dele como presidente, nunca se teve notícia de nenhuma igreja fechada.
No domingo, em encontro com Lula, Marina havia entregado um documento, de 26 itens, com propostas que ela gostaria que fossem incorporadas pela campanha do PT.
— Em linhas gerais, as diretrizes estão totalmente compatíveis com a nossa história — afirmou o ex-ministro Aloizio Mercadante, coordenador do programa de governo.
A Autoridade Climática, que teria como objetivo acompanhar as medidas tomadas pelo governo para reduzir a emissão de gases do efeito estufa, foi citada como um exemplo de proposta que será incorporada.
Já Lula afirmou que esse é um “dia histórico” para o partido, para sua candidatura e para “quem sonha em fortalecer a democracia no país”.
— De vez em quando na política tomamos decisões de percorrer determinados caminhos, nem sempre a gente se encontra, mas também há momentos na História em que a gente se reencontra. E ele é importante não só pela qualidade do programa que a Marina apresenta. Mas muito mais pelo momento político que vivemos — disse Lula.
O petista lembrou os casos recentes de violência política e criticou a política “feita no ódio”. Disse que o Brasil que quer construir “ainda existe na Marina” e reforçou que os brasileiros precisam ser “cuidados”.
Histórico de reaproximação
Lula e Marina ensaiavam uma reaproximação desde o começo do ano. Eles tiveram uma reunião no domingo. A aproximação foi articulada, entre outros, pelo candidato do PT ao governo de São Paulo, Fernando Haddad.
Candidata a deputada federal em São Paulo pela Rede Sustentabilidade, Marina já havia declarado apoio a Haddad e chegou a ser convidada para ser a sua vice, mas não aceitou porque preferiu concorrer a uma vaga na Câmara.
Em uma publicação no Twitter no domingo, o ex-presidente fez questão de ressaltar que recebeu de Marina propostas para “um Brasil mais sustentável”. A ex-ministra vinha dizendo que a definição sobre o seu posicionamento na eleição presidencial dependeria de uma discussão programática.
Ao longo dos últimos meses, além de Haddad, também trabalharam para tentar fazer com que Lula e Marina se acertassem a empresária Rosângela Lyra, ex-CEO da Dior no Brasil, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o ex-ministro Cristovam Buarque, o ex-deputado Maurício Rands e o ambientalista Pedro Ivo.
Marina deixou o Ministério do Meio Ambiente em 2008 porque não encontrava apoio do governo para ações de combate ao desmatamento. No ano seguinte, ela trocou o PT pelo PV. Em 2010, foi candidata à Presidência da República e ficou em terceiro lugar, com quase 20% dos votos válidos.
Apesar de críticas pontuais à candidata do partido, Dilma Rousseff, que viria a ser eleita, Marina evitou naquela disputa ataques mais duros ao PT. Em 2014, Marina se lançou inicialmente como vice de Eduardo Campos (PSB), que morreu em um acidente de avião durante a campanha. A ex-ministra assumiu a cabeça da chapa e chegou a liderar as pesquisas de intenção de voto.
A partir daí, passou a ser o alvo principal da campanha de Dilma. A candidata petista, que disputava a reeleição, acusou Marina de ser “sustentada por banqueiros” pelo fato de a socióloga Neca Setúbal, integrante da família acionista do Banco Itaú, coordenar o seu programa de governo. A propaganda eleitoral petista na televisão ainda mostrava a comida desaparecendo de uma mesa, caso Marina fosse eleita.
Além disso, naquela campanha, Lula criticou a ex-ministra ao afirmar que Marina não “leu o programa de governo que foi feito para ela ou não aprendeu nada no período em que esteve no PT”. Ainda durante a campanha de 2014, o jornal “Folha de S. Paulo” revelou que Lula relatava em conversas reservadas que convenceu Marina a ficar no governo em 2006, quando ela apresentou pela primeira vez a intenção de deixar o ministério, ao dizer que sonhou que Deus pedia que ela permanecesse no posto.
Dias antes, a então ministra teria pedido demissão, na versão de Lula, com o argumento de que havia conversado com Deus sobre sua saída do governo. Marina ficou muito irritada com a divulgação do episódio. Questionado, na época, Lula afirmou que “só Deus poderia esclarecer” a conversa.
Já Marina relatou que ao conversar com Lula sobre o seu desejo de sair do governo em 2006 afirmou “ter pedido a Deus que confirmasse em seu coração aquele seu desejo”. Pessoas próximas consideram que Lula zombou da fé da ex-ministra, pela forma como tratou do caso. Marina ficou no governo até maio de 2008.
Antes disso, Lula e Marina mantiveram uma relação de proximidade por duas décadas. A primeira filha da ex-senadora, Moara, recebeu um nome que, em tupi-guarani, significa liberdade. Foi uma homenagem a Lula, que disputava, quando Moara nasceu, em 1989, sua primeira eleição presidencial. Marina começou na política como aliada do ambientalista Chico Mendes, assassinado em 1988.
Na disputa presidencial atual, Marina deu declarações de simpatia pela candidatura de Ciro Gomes (PDT), mas a contratação do marqueteiro João Santana, que trabalhava para Dilma em 2014, criou mal-estar. Nos últimos meses, ela se mostrou aberta a uma aproximação com Lula. O partido de Marina, a Rede, já havia anunciado apoio ao petista.
Lula, por sua vez, passou a fazer elogios públicos a Marina. O último deles foi em Manaus, no dia 31 de agosto, quando disse que gostava da ex-ministra, tinha respeito e admiração por ela e que os dois poderiam se encontrar a qualquer momento.