Segundo o Tribunal, o certame não prezou pela busca dos menores preços, com ofensas ao princípio de economicidade e ao interesse público; equipamentos seriam distribuídos a policiais do programa Guardiões das Fronteiras
Valor Econômico – O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o Ministério da Justiça e Segurança Pública interrompa uma compra de coturnos cujo valor previsto era de R$ 38 milhões.
A decisão foi tomada em junho deste ano porque, segundo o TCU, o certame não prezou pela busca dos menores preços, com ofensas ao princípio de economicidade e ao interesse público.
Como parte dos valores já havia sido empenhada pela pasta, a interrupção da compra afeta o pagamento de R$ 35 milhões às empresas vencedoras.
A pasta pretendia comprar 60 mil coturnos destinados à Secretaria de Operações Integradas (Seopi), criada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro com o objetivo de integrar ações de órgãos de segurança pública.
A atuação da Seopi virou tema do noticiário em agosto de 2020, quando foi divulgado que realizou monitoramento político de adversários e críticos do governo de Jair Bolsonaro (PL). Apesar disso, não havia, em sua estrutura organizacional, a previsão para tal ação.
Segundo o Ministério da Justiça, comandado por Anderson Torres, os coturnos seriam distribuídos a policiais participantes do programa Guardiões das Fronteiras, grupo que atua no combate às infrações transnacionais nas regiões de fronteira e divisas do Brasil.
As empresas vencedoras foram a Foot Comercial e a Primax Distribuidora, que compram o material de outra empresa, a Guartelá.
De acordo com a pasta, a aquisição atenderia a uma demanda do aumento da estrutura das unidades que atuam no programa.
A análise técnica de auditores do tribunal concluiu que o pregão poderia ter sido fechado em valores 50% menores do que os R$ 38,8 milhões previstos.
Eles avaliaram que o pregoeiro responsável pela compra “privilegiou o apego ao formalismo em detrimento da busca pela proposta mais vantajosa para a administração pública”, ao desclassificar empresas que apresentaram preços menores.
Foram desclassificadas a Palmilhado Boots Indústria e Comércio e a Safetline Equipamentos de Segurança.
A primeira orçou R$ 19 milhões pela compra, mas teve o laudo técnico recusado pela pasta. Segundo o TCU, o Ministério deveria ter realizado diligências junto ao laboratório acreditado pelo Inmetro, emissor desse documento, antes de tal atitude.
“O pregoeiro pautou-se no formalismo exagerado, com ofensa ao interesse público e aos princípios da economicidade, pois o certame resultou em contratações por preços significativamente superiores aos ofertados pela empresa desclassificada”, disse o tribunal.
O ministro relator do processo, Augusto Sherman, chegou a dar uma medida cautelar no final do ano passado suspendendo o pregão. Mesmo assim, o ministério chegou a empenhar notas para a aquisição de 2.000 coturnos deste pregão para o 40º Batalhão de Infantaria.
O TCU liberou esta execução, considerando que as empresas provavelmente já teriam se mobilizado para fornecer os produtos e que o ministério não havia sido informado da decisão.
Segundo o TCU, caso remanesça a necessidade da contratação, o Ministério da Justiça deverá realizar nova licitação para adquirir o restante dos quantitativos.
Procuradas, as empresas vencedoras responderam às questões por meio do advogado Maurício Zockun, que representa ambas no processo aberto no TCU.
O defensor afirmou que apresentou recurso pela impugnação da decisão do TCU ao STF (Supremo Tribunal Federal). Ele alegou que as propostas apresentadas pelas empresas estão dentro da margem do “preço de mercado”, fato que foi reconhecido pelo próprio TCU e, por esse motivo, não houve sobrepreço.
Também afirmou que as propostas de preço são elaboradas considerando os custos das empresas, o valor de aquisição dos produtos e o fato de serem empresas distribuidoras.
“Como o TCU reconheceu que as propostas apresentadas pelas nossas clientes estão dentro da margem do ‘preço de mercado’, também reconheceu a legitimidade e o acerto da pesquisa mercadológica elaborada pelo Ministério da Justiça para realização da licitação”, disse.
“Entendemos que o pregoeiro agiu de modo correto e o TCU de modo incorreto. Tanto é assim que impugnamos o acórdão do TCU no STF”, acrescentou.
Procurada, a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça respondeu que a decisão do TCU “foi recebida e analisada à luz da legislação vigente e dos princípios da administração pública, como todos os processos e demais atos a cargo deste ministério”.
Também argumentou que o pregão foi feito “mediante os critérios de competitividade inerentes à licitação, previstos no edital e legislação vigente”.
“Neste caso, não há que se falar sobre o argumento da corte de contas, restando apenas o cumprimento da decisão exarada pelo órgão de controle”, disse.