Morte de jovem detida por uso ‘incorreto’ do hijab foi o estopim para uma série de protestos no Irã
O Globo – “É preciso acabar com as ações brutais da polícia da moral, que impede as mulheres de escolherem suas roupas”, critica Mahtab, iraniana de 22 anos usando um hijab laranja que deixa parte de seu cabelo à mostra.
A jovem maquiadora profissional em um bairro nobre de Teerã diz que gosta de usar esse tipo de véu, assim como outras mulheres preferem um chador [vestimenta que cobre todo o corpo].
— Mas o véu tem que ser uma opção, [as autoridades] não têm que nos obrigar a usá-lo — acrescenta.
Uma série de protestos, que deixaram vários mortos, eclodiu no Irã depois que as autoridades anunciaram, na última sexta-feira, a morte de Mahsa Amini, após ser detida por usar o véu de “forma inapropriada” pela polícia da moral, encarregada de impor às mulheres no Irã o estrito código de vestimenta determinado pelo regime.
Mahtab admite temer a polícia da moral, mas não mudou sua forma de se vestir ou de usar o véu. Segundo a maquiadora, esta polícia “é inútil”.
No Irã, as mulheres são obrigadas a cobrir os cabelos, e a polícia da moral as proíbe de usar calças justas, jeans rasgados ou roupas de cores vivas, entre outras restrições.
Nazanin, uma enfermeira de 23 anos, prefere não se arriscar.
— Agora vou tomar mais cuidado na forma como uso o véu para evitar problemas — conta à AFP.
Ingerência
Mas, assim como Mahtab, ela também considera que a polícia da moral deveria deixar as ruas, pois “não se comporta corretamente”.
— Não entendo por que esses policiais atacam as pessoas se todas as mulheres usam o véu e vestidos decentes. Se a polícia quiser ir além, então é ingerência — avalia a enfermeira, com um lenço escuro que se mistura aos seus cabelos.
A hostilidade dos policiais, que reprimem o mínimo deslize no vestuário, é enorme, sobretudo depois da morte de Mahsa Amini.
— Com esse novo caso, as pessoas já não chamam a unidade de “Gasht-e Ershad” (patrulhas da orientação), mas de “Ghatl-e Ershad” (orientação do assassinato) — conta Reyhaneh, uma estudante de 25 anos, no Norte de Teerã.
Após o caso de Amini, as pessoas também questionam “a eficácia do uso da força” contra as mulheres.
— O uso do hijab não deveria ser regido por uma lei — afirma uma mulher, vestindo um véu bege de onde sobressai seu cabelo, à AFP.
No Sul da capital, mais pobre e conservador, o uso do chador e de roupas escuras é predominante em comparação com o Norte, mais rico, onde as roupas informais são mais comuns.
Na quarta-feira, após vários dias de protestos, uma certa normalidade voltou a Teerã e aos bairros do Norte. As jovens continuam usando o véu bem para trás.
A estudante Reyhaneh conta que a morte de Mahsa Amini entristeceu e chocou toda a sociedade.
— [A polícia da moral] deveria agir com mais tolerância e ser menos agressiva. O uso do véu é uma questão pessoal, e a mulher tem o direito de se vestir como quiser — conclui.