Para economistas ouvidos, principal desafio na economia é dar suporte à população vulnerável sem atropelar responsabilidade fiscal, para que investidores não fujam e alta do dólar cause nova pressão na inflação.
G1 – O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chega pela terceira vez ao cargo com promessas de valorização dos salários, geração de empregos, renegociação de dívidas e suporte a políticas sociais.
Foram essas as indicações dadas pelo petista em seu discurso, após vencer o presidente Jair Bolsonaro (PL) por 50,90% dos votos.
“A roda da economia vai voltar a girar com os pobres fazendo parte do orçamento”, disse Lula no domingo (30), após a confirmação do resultado das eleições.
Ainda em seu primeiro discurso como presidente eleito, Lula afirmou que o combate à fome e à miséria é o “compromisso número 1” do governo.
Além disso, o futuro presidente prometeu ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) para R$ 5 mil — que significa uma renúncia de R$ 21,5 bilhões para os cofres públicos, segundo cálculos do Sindifisco Nacional, sindicato que reúne os auditores da Receita Federal.
Outra proposta de impacto significativo é o reajuste do salário mínimo. O senador eleito Wellington Dias (PT-PI) que capitaneia a questão antecipou que o reajuste real do mínimo ficará entre 1,3% e 1,4%, resultado da média do crescimento do PIB dos últimos cinco anos.
O cálculo, que está na proposta de orçamento, é que cada R$ 1 acima de R$ 1.302 implica em gastos adicionais de R$ 370 milhões aos cofres públicos.
O desafio de Lula será estruturar seus planos em uma economia com pouco espaço para gastos não obrigatórios no Orçamento e uma perspectiva de crescimento mais lento em 2023. Levantamento do g1 mostra que a conta gira em torno de R$ 175 bilhões que precisarão ser contemplados na peça orçamentária.
Dinheiro em falta
Uma reportagem do g1 publicada na semana passada elencou as dificuldades do presidente na economia. A principal delas será justamente organizar as contas dentro do dinheiro livre para uso, de forma que os programas de assistência às camadas mais pobres sejam atendidos.
Os especialistas ouvidos pelo g1 dizem que a necessidade de acomodar gastos extras em 2023 podem gerar um pedido de “waiver” — isto é, uma licença para quebrar as regras impostas às contas públicas —, mas que um plano será cobrado adiante para reorganizar a casa.
“O jeito é tomar mais dívida, não me parece ter como escapar. Mas tudo tem que ser comunicado da maneira correta. O mercado internacional está punindo muito as histórias de desvio fiscal”, disse Fernando Rocha, economista-chefe da JGP .
Durante a campanha, Lula garantiu, por exemplo, que o Auxílio Brasil seria mantido em R$ 600 mensais aos beneficiários. A Instituição Fiscal Independente (IFI) calcula que seria necessário redirecionar mais R$ 51,8 bilhões para o programa.
No orçamento enviado pelo governo de Jair Bolsonaro ao Congresso, são R$ 115,7 bilhões disponíveis para todos os gastos não obrigatórios do país, segundo a IFI. Estão previstos na peça apenas R$ 405 mensais para o Auxílio Brasil.
Bolsonaro também deixa uma coleção de rombos no Orçamento (saiba mais abaixo), uma renúncia relevante de receitas para os estados com o teto do ICMS para combustíveis e uma incógnita sobre as emendas de relator, que ficaram conhecidas como “orçamento secreto”.
Só na questão do combustível, Lula terá que equacionar a perda de receita dos estados com outras fontes de financiamento ou retomar a cobrança do ICMS, à custa de uma elevação nos preços.
Sobre as emendas, o futuro presidente precisará de uma solução para um impasse: os parlamentares têm usado o orçamento secreto como moeda de troca pelo apoio ao presidente, e a composição das casas depois da eleição não traz uma maioria natural e programática ao presidente eleito.
Até o momento, Lula fala em retomar o diálogo.
“Para além de combater a extrema pobreza e a fome, vamos restabelecer o diálogo neste país”, disse no discurso de domingo.
Contenção de gastos
Outra reportagem do g1, de julho, mostra que o governo Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional patrocinaram cinco grandes mudanças no teto de gastos desde 2019. As alterações somam um impacto fiscal de R$ 213 bilhões em relação ao desenho original da regra, de acordo com um monitoramento realizado também pela IFI.
As principais quebras foram justamente para turbinar programas sociais. Em março de 2021, houve a aprovação da PEC Emergencial, que abriu um espaço de R$ 44 bilhões fora do teto. À época, o valor foi utilizado para bancar uma nova rodada do Auxílio Emergencial.
Meses depois, em dezembro, a PEC dos Precatórios provocou duas alterações no teto de gastos, com impacto de R$ 81,7 bilhões. Além de um teto para pagamento de precatórios — que são dívidas judiciais do governo, já julgadas — foi alterada a base de cálculo do teto para permitir gastos em ano eleitoral.
Por fim, em julho, a PEC Kamikaze criou benefícios sociais a poucos meses da eleição, com custo fora do teto de R$ 41,2 bilhões. Foi nessa proposta que foi ampliado o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, além de dobrar o benefício do vale gás e vouchers para caminhoneiros e taxistas.
No Orçamento enviado ao Congresso, acomodando boa parte dos gastos criados pré-eleição e que serão difíceis de serem retirados, o governo prevê déficit de R$ 63,7 bilhões no ano que vem. Mas o mercado financeiro acredita em uma situação mais complicada.
“O populismo fiscal bastante exacerbado do governo atual deixa uma ‘bomba’ que irá explodir em 2023. Ainda é difícil avaliar o tamanho do rombo, mas acreditamos que seja superior a R$ 200 bilhões”, diz Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Fibra.
Lula falou, em campanha, que pretende eliminar o teto de gastos como regra fiscal oficial do país. Nos próximos meses, o presidente eleito precisará formatar uma nova política de gestão dos gastos públicos para trazer credibilidade aos planos econômicos.
O que economistas esperam é que Lula sinalize ao centro na busca por essa nova âncora fiscal, novamente porque a formatação do Congresso não está tão favorável ao petista.
Mas, para Oliveira, o Congresso terá papel fundamental em ajudar o governo eleito a resolver esse nó, pois parlamentares e governadores recém-eleitos precisam acomodar interesses regionais com alguma previsibilidade fiscal até as eleições de 2024.
“Minha visão é otimista, apesar de reconhecer as dificuldades deixadas pelo atual governo. Acredito que a relação mais harmoniosa entre os poderes e o maior fluxo de investimentos estrangeiros podem colaborar na travessia dessa tempestade que se aproxima”, diz o economista.
Crescimento do PIB
Outro complicador para os planos de Lula é o potencial de crescimento do país para 2023. Os monitoramentos de economistas brasileiros e estrangeiros dão conta de que a economia brasileira não terá um motor natural de crescimento.
No boletim Focus desta segunda-feira, os economistas brasileiros projetam uma alta de 2,76% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022. Já para 2023, a previsão de crescimento é de apenas 0,64%.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) também espera uma desaceleração do Brasil, junto com toda a economia global. Para o órgão, a economia brasileira deve crescer 2,8% neste ano e 1% no próximo.
O Brasil será especialmente prejudicado se houver um freio muito severo de países que são parceiros importantes de comércio exterior, como a China. A perspectiva de um freio global faz cair o preço de commodities, que são produtos importantes para a atividade econômica.
Lula está, portanto, em uma encruzilhada: precisaria ter dinheiro para estímulos à economia, mas pode afugentar investidores do país porque não há espaço para novos gastos.
“A recessão global dificulta a retomada da economia e vai ser inevitável um aumento do gasto público, do investimento e de obras públicas”, diz Juliana Trece, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
“Mas a situação fiscal está tão delicada que, se estimular muito via gasto público, pode contribuir para que o investimento privado não venha”, prossegue.
Novamente, será uma questão de comunicação. Lula precisará detalhar planos factíveis para não criar uma sobrevalorização do câmbio pela fuga de capital desconfiado.
Até agora, o mercado financeiro não reagiu mal. O dólar terminou a segunda-feira com queda de 2,55%, cotada a R$ 5,1654. O Ibovespa subiu 1,31%, a 116.037 pontos. Foram os melhores resultados para um dia após eleição presidencial desde o Plano Real.