Embora tenha sido aprovado pelo Congresso Nacional, o piso salarial da enfermagem não foi posto em prática
CNN – Deputados federais ligados à área da saúde buscam uma saída para destravar o piso salarial da enfermagem e já chegaram a recorrer à equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na tentativa de garantir recursos para o pagamento do mínimo nacional.
Embora tenha sido aprovado pelo Congresso Nacional, o piso salarial da enfermagem não foi posto em prática. O Parlamento fixou o piso em R$ 4.750 para os enfermeiros, nos setores público e privado. O valor ainda serve de referência para o cálculo do mínimo salarial de técnicos de enfermagem (70%), auxiliares de enfermagem (50%) e parteiras (50%).
O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a aplicação do piso em setembro até que sejam analisados dados detalhados dos estados, municípios, órgãos do governo federal, conselhos e entidades da área da saúde sobre o impacto financeiro para os atendimentos, o impacto nos serviços de saúde e os riscos de demissões diante de sua implementação.
A deputada federal Carmen Zanotto (Cidadania-SC) e outros representantes da enfermagem chegaram a se reunir com assessores do ministro do STF Luís Roberto Barroso – foi ele quem tomou a decisão de suspender o piso de forma monocrática, inicialmente –, no começo do mês, para que a decisão da Corte seja revogada. Mas, não houve uma resolução desde então. As respostas recebidas por parte de entidades impactadas ainda estão sendo analisadas pelo Supremo, segundo ela.
Coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Enfermagem, o deputado federal Célio Studart (PSD-CE) pediu ajuda aos integrantes do setor de saúde da equipe de transição para destravar o pagamento do piso da enfermagem, mesmo que de forma temporária, somente em 2023.
Os responsáveis pela área da saúde na transição defendem uma recomposição no orçamento do Ministério da Saúde no valor de R$ 22 bilhões. Contudo, há dúvidas se os recursos para o pagamento do piso no setor público estão contemplados.
Políticos a par do assunto, tanto da Câmara, quanto da transição, afirmaram à reportagem que o caso está posto. Contudo, ainda não houve parecer ou definição sobre futura fonte de custeio permanente.
Enquanto isso, em outra frente, os deputados tentam uma nova solução dentro do próprio Congresso Nacional. A mais recente tentativa é aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que garanta parte dos recursos para o piso, apresentada no dia 8 deste mês.
O texto do deputado Mauro Benevides (PDT-CE), em conjunto com outros parlamentares, permite que o superávit financeiro dos fundos públicos do Poder Executivo possa ser usado entre 2023 a 2025 para o pagamento da complementação federal do piso, entre outros pontos.
A comissão especial que analisará a PEC foi criada nesta última quarta (23), após conversas com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Na prática, a proposta do piso foi juntada com outra PEC apresentada ainda em 2014, mas que pouco andou, para que tenha a tramitação agilizada. Esse outro texto busca possibilitar a ampliação de limite de despesas com pessoal ativo nas áreas da saúde e da educação.
Dessa forma, com a carona, a PEC pro piso não precisará mais passar pela análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), porque o outro texto já foi aprovado no colegiado. A estimativa é que só na CCJ seria preciso, no mínimo, sete dias para a sua aprovação.
“Vamos ter que cumprir o prazo de 10 sessões e, posteriormente, lá pelos dias 6, 7 ou 8 de dezembro, poderemos votar definitivamente a PEC 27, portanto, definindo a fonte de recurso e eliminando a liminar dada pelo Supremo Tribunal Federal, que não viu nenhuma inconstitucionalidade, mas barrou o pagamento do piso porque não havia fonte de recurso”, declarou Mauro Benevides em plenário.
“Poderemos definitivamente, ainda neste ano, aprovar a proposta que definirá a fonte de recurso para pagamento do piso da enfermagem em todo o território brasileiro”, acrescentou.
Após ser aprovada pela Câmara, a proposta precisa passar pelo crivo do Senado – CCJ e plenário. A deputada Carmen Zanotto já está em contato com senadores e o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para tentar agilizar a tramitação do texto.
Mesmo que essa PEC seja aprovada pelo Congresso, o entendimento é que atende a apenas parte dos profissionais de enfermagem. Portanto, a questão ainda não estaria totalmente resolvida.
“A outra parte, que são os trabalhadores da enfermagem em serviços privados, depende de outros projetos de lei, como é o caso da desoneração da folha [de pagamento do setor de saúde]. Isso é fundamental, porque a enfermagem merece muito mais do que os aplausos, que sempre são bem-vindos. O reconhecimento, através de uma remuneração um pouco mais digna, é fundamental e importante”, afirmou Carmen Zanotto, também em plenário.
Além da desoneração da folha de pagamento, que sofre resistências, são discutidas as possibilidades de que arrecadações com jogos de azar e royalties do petróleo sejam usadas para bancar os novos salários mínimos para as categorias da enfermagem. Contudo, essas duas alternativas também contam com fortes objeções dentro do Parlamento.
Antes da PEC, o Congresso tocou dois projetos que permitem a transferência e reprogramação de saldos financeiros represados em fundos de saúde e de assistência social. Assim, em tese, seriam abertos espaços nos orçamentos de estados e municípios para que pagassem o piso.
Um problema é que os dois projetos se apoiavam em fontes de recursos semelhantes, o que ocasionou dúvidas jurídicas e orçamentárias. Deputados envolvidos no caso avaliam que seria preciso ajustá-los. Agora, dar um passo para trás e investir na PEC pode parecer uma solução mais fácil, ainda que não tão simples.