Aplicações práticas do processo, contudo, ainda devem demorar muito tempo para serem implementadas.
Nesta terça (13), o governo dos Estados Unidos anunciou que cientistas, pela primeira vez, conseguiram produzir uma reação de fusão nuclear que teve um ganho real de energia, gerando mais energia do que o necessário para o processo. O termo é chamado tecnicamente de ignição da fusão nuclear.
Embora incipiente (resultados práticos vão demorar para aparecer) e em baixa escala, o anúncio é visto como um marco importante para a física e para a produção de energia de fontes limpas, visto que:
- Em ambientes controlados, a fusão nuclear é um processo que não produz resíduos radioativos nem elementos poluentes, como gases de efeito estufa;
- Por isso, em contrapartida com a fissão nuclear, que atualmente alimenta as usinas nucleares do mundo, a fusão teria um impacto ainda menor no meio ambiente se implementada em escala comercial;
- Isso ocorre porque a radioatividade de um futuro reator pode desaparecer para níveis seguros ao fim de algumas décadas, em vez de alguns milhares de anos, como é o caso do combustível usado na fissão;
- Assim, a energia baseada em fusão nuclear é tida como uma aposta importante frente às mudanças climáticas, visto que essa seria uma fonte inesgotável de energia limpa que não polui a atmosfera;
- As aplicações disso tudo, porém, ainda precisam ser bastante estudadas. Algumas cientistas, por exemplo, acreditam que levaríamos décadas para a produção de um reator comercial baseado em fusão nuclear.
O anúncio foi feito pela secretária de Energia dos EUA, Jennifer Granholm, em uma coletiva de imprensa junto com representantes da Administração Nacional de Segurança Nuclear (NNSA) e do Laboratório Nacional Lawrence Livermore (LLNL), um centro de pesquisa em energia nuclear do país.
“Esse é um grande progresso científico em desenvolvimento que abrirá caminho para avanços na defesa nacional e para o futuro da energia limpa”, informou o laboratório americano em um comunicado, acrescentando que o resultado ocorreu no última semana, no dia 5 de dezembro.
Na data, os 192 gigantescos lasers de altíssima potência do laboratório apontaram para um pequeno ponto do tamanho de uma pipoca e geraram, por um brevíssimo momento, cerca de 2,5 megajoules de energia (algo suficiente apenas para esquentar uma chaleira, explica Gustavo Canal, do Departamento de Física Aplicada da USP – que não teve relação com a pesquisa).
Segundo o que foi divulgado pelo NIF, como apenas 2,1 MJ foram emitidos pelos lasers para atingirem o grão, o ganho de energia foi atingido.
“Esta é uma conquista marcante para os pesquisadores e funcionários do National Ignition Facility, que dedicaram suas carreiras para ver a ignição por fusão se tornar uma realidade”, afirmou Granholm.
“Esse marco, sem dúvida, desencadeará ainda mais descobertas”.
Fusão x Fissão
Luis Guimarais, PhD em Fusão Nuclear pelo Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa explica ao g1 que enquanto a fissão que é utilizada nas usinas atuais é um processo fácil de controlar, as condições necessárias para ocorrer fusão de forma controlada são extremamente difíceis de seriam realizadas em laboratório.
Isto ocorre porque a fissão é o processo oposto da fusão.
Neste último, o que ocorre é um “cozimento” (fusão) de núcleos de elementos químicos leves como o hidrogênio, que se combinam para formar um outro produto, o hélio.
“A fusão nuclear é o processo que alimenta as estrelas”, diz Luis.
Ele conta que esse processo ocorre naturalmente em astros como o nosso Sol.
Já na fissão, elementos pesados quebram-se espontaneamente em elementos mais leves (como por exemplo, Urânio que quebra para gerar Bário e Krypton).
“O desafio tecnológico de fazer um reator de fusão é muitas ordens de grandeza superior ao de fazer um reator de fissão. Estamos a tentar ‘recriar o Sol numa garrafa’, só que não sabemos ainda desenhar essa garrafa”, conta.
Caso seja possível algum dia recriar esse Sol engarrafado, os defensores da energia baseada em fusão nuclear defendem que teríamos uma fonte inesgotável e limpa de energia.
“Estamos muito longe de um reator comercial de fusão, mas o problema agora deixa de ser um problema de física e torna-se um problema de engenharia”, celebra Luis.
“Numa analogia simples, ficamos a saber como funciona o relógio a corda, mas ainda não sabemos como construir as engrenagens com a precisão suficiente”.