Após 9 dos 11 ministros votarem, sessão de julgamento do orçamento secreto foi suspensa e marcada para segunda-feira (19/12)
Atendendo a um pedido do ministro Ricardo Lewandowski, a presidente do Superior Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, suspendeu o julgamento do orçamento secreto, que será retomado na próxima segunda (19). 9 dos 11 ministros da Corte já votaram e o placar está apertado.
Relatora do caso, Rosa Weber votou pela inconstitucionalidade do artifício. O placar, atualmente, está 5 a 4 para derrubá-lo. Faltam somente os votos de Ricardo Lewandowski e de Gilmar Mendes.
Os ministros André Mendonça, Kássio Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli opinaram pela constitucionalidade das emendas, mas com uma série de ressalvas. Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Cármen Lúcia votaram pela inconstitucionalidade.
Apesar de alguns votos serem diferentes nos critérios de aplicabilidade das emendas, todos os ministros concordaram que é necessário dar transparência para o mecanismo.
Votos
A relatora das ações, ministra Rosa Weber, já havia dado seu voto considerando que a falta de transparência e a abertura para “atos que dão ensejo à concretização de práticas patrimonialistas e obscuras” ferem as diretrizes constitucionais brasileiras.
Em seu voto como relatora, Rosa Weber firmou tese de que “as emendas do relator-geral do orçamento destinam-se, exclusivamente, à correção de erros e omissões, vedada a sua utilização indevida para o fim de criação de novas despesas ou de ampliação das programações previstas no projeto de lei orçamentária anual”.
A Corte tinha retomado o julgamento sobre o tema nesta quinta-feira (15/12). O ministro André Mendonça, indicado por Jair Bolsonaro (PL) para o STF, foi o primeiro a votar. Ele entendeu que o orçamento secreto é constitucional, mas determinou que a prática precisa de mais transparência.
“Passem a garantir às emendas de relator identificadas pelo RP-9 o mesmo nível de transparência e de controle verificáveis na execução referente aos RP-6 (despesa primária decorrente de emendas individuais, de execução obrigatória) e RP-7 (despesa primária decorrente de emendas de bancada estadual, de execução obrigatória)”, explicou Mendonça em seu voto.
O segundo a se posicionar foi o ministro Nunes Marques, outro indicado por Bolsonaro. Nunes Marques divergiu da ministra Rosa Weber. Ele votou pela legalidade, disse não caber ao STF interferir no caso e que Congresso precisa dar transparência. Pediu que as informações das emendas de RP-9 estejam em um sistema público, disponíveis à população.
Na sequência, logo no início de seu voto, o ministro Edson Fachin adiantou que acompanha na integralidade o voto da relatora Rosa Weber. Ou seja, vota pela inconstitucionalidade das emendas de relator.
“Julgo as ações integralmente procedentes para declarar a inconstitucionalidade. Quanto aos orçamentos de 2020 e 2021, julgo para dar transparência total”, disse Fachin em seu voto.
O ministro Alexandre de Moraes votou pela manutenção das emendas de relator, mas com transparência, o que tem sido um consenso entre os magistrados. “A falta de transparência gerou uma ausência de controle e gerou deturpações. Não podemos ignorar o que ocorreu. Temos que verificar a causa disso. E a primeira causa, a meu ver, é a falta de transparência”, apontou Moraes.
Moraes ainda foi mais rígido, “julgo parcialmente procedentes os pedidos, no sentido de se interpretar a resolução no seguinte sentido: o procedimento da RP9, todo procedimento de transparência, deve ser idêntico ao de RP6 (emendas individuais). Desde o início, deve identificar qual o valor, qual o parlamentar, qual o destino. Deve-se levar em conta a proporcionalidade entre maioria e minoria e a proporcionalidade das bancadas da maioria e da minoria”, analisou.
O ministro Luís Roberto Barroso adiantou o voto antes de ler suas justificativas. Barroso seguiu integralmente a opinião da ministra Rosa Weber, pela inconstitucionalidade do orçamento secreto. “Não é possível que uma pessoa seja responsável pela indicação de R$ 21 bilhões do orçamento. Não é compatível com o princípio republicano”, disse Barroso em seu voto.
“Não existe alocação de recurso público sem a clara identificação de onde chega o dinheiro e se chega o dinheiro. O orçamento não pode ser secreto em nenhuma das suas dimensões”, completou.
O ministro Luiz Fux votou pela inconstitucionalidade do tema. “Não há fundamento constitucional para as emendas. Com dinheiro público, o segredo não é a alma do negócio”, disse Fux.
No voto, o ministro Toffoli defendeu que as emendas RP-9 devem respeitar os princípios constitucionais da transparência, da imparcialidade e da isonomia entre os entes federativos, sendo obrigatória a identificação dos responsáveis pelas indicações e dos beneficiários.
Um dos pontos do ministro é que as emendas destinadas a cada município não ultrapassem, em cada exercício financeiro, o limite de 50% do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Cármen Lúcia, última a votar, foi contra o mecanismo. “Não é possível se adotar um regime de emendas com barriga de aluguel”, disse a magistrada.
Julgamento
O STF retomou nessa quarta-feira (14), o julgamento de ao menos quatro ações que questionam a constitucionalidade das emendas de relator. O tema começou a ser analisado no plenário do Supremo em 7 de dezembro, voltou na quarta e segue nesta quinta.
Os 11 integrantes da Corte vão decidir se a Constituição permite a destinação de bilhões de reais em verbas públicas para parlamentares com pouca transparência. Ficará estipulado se o Poder Legislativo pode definir como gastar essa verba sem que as despesas estejam necessariamente vinculadas a políticas públicas formuladas por ministérios e outros órgãos do Executivo, como ocorre com as emendas usuais.
Oficialmente chamados emendas de relator, esses repasses viraram moeda de negociação política do Executivo com o Legislativo ao longo do governo de Jair Bolsonaro (PL). No Orçamento de 2023, estão empenhados R$ 19,4 bilhões para esse fim.
Nas ações que serão julgadas, PSol, PV, Cidadania e PSB alegam que falta transparência nessas emendas, pois não são divulgadas informações sobre quem libera os recursos, para quais fins e sob quais critérios. Para os autores dos processos, as emendas com dados ocultos ofendem os princípios da transparência, da publicidade e da impessoalidade, que estão previstos na Constituição. Elas podem, inclusive, ser usadas para agradar aliados, já que não precisam ser justificadas ou explicadas.
Idas e vindas do orçamento secreto
O que veio a ser conhecido como orçamento secreto nasceu em 2019, com o nome de “emendas de relator” ou “RP9”. Tratou-se de uma investida do Legislativo federal sobre verbas que antes eram manuseadas por órgãos do Poder Executivo. Emendas parlamentares sempre existiram, mas, no orçamento secreto, os repasses foram ficando cada vez maiores e comprometiam mais expressivamente o orçamento do governo federal.
Pressionado sobre o tema ao longo da campanha presidencial de 2022, Bolsonaro costumava dizer que não tinha poder sobre o orçamento secreto e que, inclusive, era contra, tendo vetado o dispositivo em 2020. Após pressão dos parlamentares, no entanto, restituiu o orçamento secreto por lei.
Bolsonaro vetou o orçamento secreto quando sancionou o Orçamento de 2020; os parlamentares até tentaram derrubar o veto, mas não conseguiram, por falta de votos. Ainda em 2019, após negociação com os líderes do Congresso, o então ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, encaminhou ao Congresso um projeto de lei que recriava as emendas vetadas. O texto foi aprovado em votação simbólica.
Mesmo após o orçamento secreto ter virado lei, o governo federal continuou exercendo poder sobre as liberações, como mostra o recente bloqueio imposto por Bolsonaro, que coincidiu com um acordo entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o PT, do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A questão já foi discutida na Justiça, e o orçamento secreto chegou a ser proibido, mas a pressão dos parlamentares reverteu a situação. No fim de 2020, a ministra Rosa Weber proibiu, em liminar, a continuação da distribuição das emendas sem transparência; meses depois, porém, a magistrada cedeu a pedidos de Lira e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e recuou da proibição, definindo que os repasses poderiam voltar se tivessem mais transparência.
Essa decisão, no entanto, não foi integralmente cumprida pelo Congresso. Isso porque apenas cerca de 400 parlamentares enviaram documentos que os vinculavam à liberação de verbas do orçamento secreto, mas esses dados abarcaram menos de um terço dos R$ 37 bilhões liberados no período. Os quase R$ 20 bilhões restantes seguiram secretos.