Lira quer operar com todos os instrumentos. Se não lhe der, Lula terá um Cunha. E isso pode não ser ruim, a julgar pelos anúncios já feitos
Metrópoles | Em qual democracia plena um julgamento em tribunal é suspenso por razões políticas, para que juízes verifiquem para onde sopra o vento e, assim, “modular” seus votos. Na pitoresca democracia brasileira. Foi isso que o ministro Ricardo Lewandowski fez, na quinta-feira, ao propor a suspensão da sessão na qual a inconstitucionalidade do orçamento secreto vinha sendo decidida por 5 votos contra 4. O julgamento será retomado amanhã, numa excepcional segunda-feira, para que votem o próprio Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Só quem acredita em Papai e Mamãe Noel acha que não houve combinação entre a suspensão do julgamento e a corrida, no Congresso, para aprovar, um dia depois, a resolução de fancaria que dá mais “transparência” ao orçamento que, de secreto, passará a ser fosco. Resolução, lembre-se, que contou com o voto em peso do PT, o partido em que a ética ora é seco, ora é molhado, na balança do armazém do português pragmático. É que, se os parlamentares do Centrão (mas não só eles) deixarem de dispor dos 19,4 bilhões de reais previstos para que se esbaldam com emendas de interesse republicano próprio, a PEC do Estouro virará a PEC do Chabu. Início ruim do terceiro mandato presidencial-populista de Lula.
Module bem que a coisa vem: o orçamento secreto será institucionalizado, agora com o toque de classe da transparência que não é transparência coisa nenhuma. Lula terá a sua PEC do Estouro, para garantir o apoio dos pobres. E o STF poderá dizer que agora, sim, a Constituição foi respeitada (coitadinha da Constituição).
O roteiro é esse aí de cima. Mas o tamanho do estouro causado pela PEC continua a depender de quantos anéis mais Arthur Lira vai arrancar de Lula. Ele quer, por exemplo, ministérios de primeira linha, como o da Saúde. Antes de Ricardo Lewandowski propor e levar a suspensão do julgamento sobre o orçamento secreto, o presidente da Câmara deu o seu recado. Ele disse ao jornalista Paulo Cappelli, do Metrópoles:
“Entendo que já pode ter número de votos para aprovar a questão do Bolsa Família, o Auxílio Brasil. Ninguém é contra isso. Contudo, há destaques que podem ser incluídos e que o PT não quer, como destaque para reduzir a PEC para um ano. O PT quer aprovar a PEC cheia. Para isso, o PT tem que se mobilizar e articular com deputados. Não sou João de Deus para operar sem instrumentos.”
Arthur quer mais do que uma lira. Uma vez reconduzido ao cargo, quer operar com todos os instrumentos cirúrgico-financeiros. Se não facilitar, Lula terá encontrado o seu Eduardo Cunha. Início ruim para o terceiro mandato presidencial-populista, mas não necessariamente para o país, porque o que é ruim sempre pode piorar na pitoresca democracia brasileira, como mostram os nomes já anunciados pelo presidente eleito para a área econômica.