Daniela Carneiro, do Turismo, e Waldez Góes, da Integração, vêm trazendo embaraço aos primeiros dias do petista no Planalto
O Globo – Responsável pela indicação de três ministros do novo governo, a maior cota concedida a partidos da base, o União Brasil tem sido foco de problemas para o Palácio do Planalto desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse, há apenas cinco dias. Dois deles têm histórico de processos na Justiça ou proximidade com suspeitos de integrar milícias, e viraram uma precoce janela de vidro: Daniela Carneiro (Turismo) e Waldez Góes (Integração). Além disso, rachado por divergências internas, a legenda não se compromete a entregar o apoio no Congresso almejado pelo novo governo como contrapartida ao espaço recebido na Esplanada.
A gestão de Waldez Góes como governador do Amapá lhe rendeu uma condenação por peculato, em processo ainda em curso, e uma ação por improbidade na qual teve as contas bloqueadas. Ontem, a seção brasileira da Transparência Internacional fez cobranças públicas ao presidente Lula afirmando que “o padrão ético na formação dos ministérios é vital na promoção da democracia” e que sua nomeação “acende todos os alertas”.
Já a titular do Turismo, Daniela Carneiro tornou-se a protagonista da primeira crise que preocupa o entorno de Lula. Deputada federal e casada com o prefeito de Belford Roxo, Waguinho, ela conta com o apoio declarado de personagens condenados ou acusados de envolvimento com a milícia. Reservadamente, tanto petistas quanto correligionários da ministra já admitem que a permanência dela no governo vai depender da evolução e da gravidade do noticiário.
Diante do aumento da pressão sobra Daniela, o União Brasil emitiu uma notal oficial na noite desta quinta-feira para sair em defesa da parlamentar. No comunicado, o partido diz que “conhece a competência e confia na capacidade de gestão de Daniela”. O texto, contudo, não faz qualquer menção às das denúncias veiculadas sobre ela.
‘Confiança do presidente’
Em 2018, ano em que se elegeu à Câmara pela primeira vez, Daniela fez campanha ao lado do miliciano Juracy Alves Prudêncio, o Jura, condenado a 22 anos de prisão por homicídio. A ministra nega qual irregularidade e diz contar com a “confiança do presidente” da República. Até aqui, ministros do governo vêm saindo em sua defesa. A sequência de notícias negativas sobre ela,porém, já fez aparecer os primeiros aliados a defender publicamente sua demissão. O deputado eleito pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) declarou que “frente ampla tem limite” e que pode ser caso de revisão da nomeação” segundo o Estado de S.Paulo”.
Escolhido por Lula para comandar o ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional numa vaga que caberia ao União Brasil, o ex-governador do Amapá Waldez Góes, do PDT, gera dores de cabeça em duas frentes. Além de ter problemas com a Justiça, ele não é filiado ao partido e enfrenta fortes resistências na bancada da legenda no Congresso. Chegou ao posto por indicação do senador Davi Alcolumbre (União-AP), de quem é aliado de primeira hora no estado.
Como O GLOBO revelou na semana passada, ele já foi condenado a seis anos e nove meses de prisão, em regime semiaberto, pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2019. A ação, contudo, acabou sendo suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que acolheu um pedido de habeas corpus apresentado pela defesa. Os advogados de Góes, que negam as acusações, também recorrem da decisão. Na ação, ele é acusado de desviar valores de empréstimos consignados dos servidores estaduais.
Fora da esfera criminal, ele responde a um processo de improbidade administrativa. Nessa ação, é acusado de causar prejuízos à União por deixar inacabada uma obra bancada com recursos federais. Uma das principais funções do pedetista à frente da pasta que acabou de assumir será justamente a execução de obras pelo país.
O contrato sobre o qual há suspeitas foi assinado em 2007, durante o segundo mandato de Góes como governador, com a extinta Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Dez anos depois, apenas 20% da obra havia sido executada, de acordo com uma inspeção feita pela Funasa, que entrou com o processo contra Góes e outros personagens. Nesse caso, a Justiça Federal proferiu uma decisão liminar (temporária) em junho de 2020 e decretou o bloqueio de R$ 797.611,73 e de bens do ex-governador, determinação que vigora até hoje.
A defesa do ministro pediu o arquivamento do caso, sob o argumento de que não houve dolo por parte dele. Sustenta ainda que ele não teve participação direta na administração da obra inacabada.
No dia em que anunciou a opção por Góes para a pasta, Lula disse que contava com ele para pacificar a bancada do União Brasil.
— Waldez é do PDT, mas ele foi indicado pelo União Brasil. Vai se afastar, pedir licença do PDT. Ele vai assumir o compromisso de ajudar a coordenar esse ministério e também a coordenar a bancada e o partido (União). Waldez, você vai ter trabalho duplo — afirmou o presidente na ocasião.
As declaração caiu mal na Câmara. As indicações feitas pelo União Brasil ao ministério de Lula não pacificaram o partido no Congresso. Os nomes foram negociados por Davi Alcolumbre, sem a anuência dos deputados federais da sigla. Vetado na reta final, o deputado Elmar Nascimento (União-BA) era o preferido da bancada para comandar a Integração. Ele tinha também o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O outro membro do União que virou ministro foi o também deputado Juscelino Filho (MA), abrigado na pasta das Comunicações. Internamente, ele e Daniela são tratados pelos correligionários da Câmara como personagens de pouca expressão na bancada. Juscelino Filho também já trouxe constrangimentos ao governo Lula. Foram resgatadas publicações suas em redes sociais com elogios ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Além disso, ele votou a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, e defendeu a privatização dos Correios, estatal que agora está sob o guarda-chuva dele.
Reunião de ajustes
A falta de convergências na bancada do União já provocou até um curto-circuito entre homens de confiança de Lula. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), cobrou publicamente a fidelidade dos aliados. Disse que, com o espaço que tem no primeiro escalão, o partido precisa garantir pelo menos 60% de adesão às pautas governistas nas votações no Legislativo. Apenas quatro legendas da base comandam três ministérios: MDB, PSB PSD, e União. O PT, sigla de Lula, tem dez ministros. Ainda assim, o líder do Planalto na Câmara, José Guimarães (PT-CE), não gostou da reprimenda de Randolfe e, entrevista ao GLOBO, disse que é necessário “falar menos”.
Declarando-se independentes, os parlamentares e dirigentes do União Brasil terão uma reunião ainda este mês para “lavar a roupa suja” e decidir se há um caminho claro a ser trilhado. O mais provável, segundo eles, é que a conversa sirva para que decisões relativas ao espaço da Mesa nas eleições de Câmara e Senado sejam feitas.