Delegados veem ação midiática de Augusto Aras para melhorar imagem após atuação durante Bolsonaro
Folha de São Paulo – A série de denúncias oferecidas pela Procuradoria-Geral da República contra golpistas envolvidos nos ataques aos prédios dos três Poderes em 8 de janeiro tem desagradado investigadores da Polícia Federal responsáveis pela condução dos inquéritos abertos para apurar o caso.
Com menos de um mês desde os ataques realizados por apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), a PGR, por meio do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, já ofereceu denúncias contra 653 suspeitos de participação na invasão e depredação dos prédios de Supremo Tribunal Federal, Congresso e Palácio do Planalto.
Em nota, a PGR afirma que todas as denúncias “estão amparadas em elementos de convicção” e cita os “autos de prisão em flagrante, laudos periciais de constatação de dano, imagens dos circuitos de monitoramento nos edifícios dos Três Poderes e declarações prestadas por testemunhas, bem como pelos próprios denunciados, em seus interrogatórios”.
Entre investigadores, as denúncias são classificadas como midiáticas e vistas como uma tática para tentar melhorar a imagem de Augusto Aras, cujo nome ficou atrelado a inação em relação aos arroubos autoritários e antidemocráticos de Bolsonaro durante seu mandato.
O principal ponto para os policiais é que a PGR não aguardou o encerramento dos inquéritos em andamento para oferecer as denúncias.
Nesse cenário, afirmam, as acusações se tornam frágeis porque não possibilitam a individualização da conduta de cada suspeito, não são embasadas em perícia ou em outras diligências para deixar as provas robustas e abrem margem para contestação das defesas na fase processual (quando a denúncia é aceita e vira processo).
Até o momento, o Supremo não julgou nenhuma das denúncias, as peças são mantidas em sigilo pela PGR e os delegados envolvidos na apuração na PF somente receberam os nomes dos denunciados, sem os detalhes das provas que embasam as acusações. O relator é o ministro Alexandre de Moraes.
Como mostrou a Folha, a PF atua em quatro linhas de investigação.
A primeira mira os possíveis autores intelectuais, e é essa frente que pode alcançar Jair Bolsonaro, a segunda tem como foco as supostas omissões de agentes públicos e a terceira tem como objetivo mapear os financiadores e responsáveis pela logística do acampamento e transporte de bolsonaristas para Brasília.
O quarto foco da investigação PF são os vândalos. Os investigadores querem identificar e individualizar a conduta de cada um dos envolvidos na depredação dos prédios históricos da capital federal.
É nessa quarta linha que entram, em tese, as denúncias oferecidas pela PGR.
No entendimento dos investigadores, para uma denúncia robusta e com menos chances de ser derrubada na Justiça pelas defesas, a PGR deveria aguardar o trabalho de investigação que vem sendo realizado.
Nesse sentido, de um lado a PF tem realizado uma série de diligências investigativas para identificar todos os envolvidos e, por outro lado, destacou seus peritos e papiloscopistas para detalhar toda a dinâmica dos ataques para mapear um a um os envolvidos e apontar cada ato praticado por eles.
Para isso, como mostrou a Folha, a PF utiliza uma mistura de inteligência artificial e trabalho manual dos policiais para identificar os apoiadores de Bolsonaro.
Policiais lembram que Aras teve oportunidades nos últimos anos de barrar o golpismo de Bolsonaro, mas sempre foi complacente com o ex-presidente e seus apoiadores, em especial nas investigações sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Os investigadores citam que a PGR chefiada por Aras pediu arquivamento dos inquéritos dos atos antidemocráticos e do vazamento da apuração do ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral, por exemplo.
Além disso, a Procuradoria se manifestou na maioria das vezes no sentido contrário ao da PF, o que, na visão dos investigadores, obrigou o ministro Alexandre de Moraes a extrapolar suas funções e tomar decisões de ofícios ou sem levar em conta a manifestação da PGR.
A mudança da postura de Aras começou com a derrota de Bolsonaro nas urnas e com a escalada da violência dos atos golpistas, iniciada com os bloqueios de rodovias seguidos pela tentativa de ataque a bomba em Brasília, invasão do prédio da PF e depredação de carros em ônibus nas ruas da capital federal.
Desde então, a PGR pediu a prisão de envolvidos nos atos golpistas e, após os ataques de 8 de janeiro, passou a oferecer uma série denúncias.
Também após a vitória de Lula, Augusto Aras passou a tentar adequar o seu discurso para mostrar que a PGR foi ativa contra os atos antidemocráticas insuflados por Bolsonaro.
“O Ministério Público e este Poder Judiciário, durante os anos anteriores, senhor presidente da República Luiz Inácio, teve de forma discreta, estrategicamente discreta, evitando que extremistas de todas as naturezas e ordens se manifestassem contra o regime democrático. Não obstante, muitas vezes nós ouçamos pela imprensa que nada foi feito pelo ministério”, disse Aras na abertura do ano Judiciário no STF na quarta (1).
Em nota enviada, a PGR afirma que o encerramento de investigação pela PF não é “condição para apresentação de denúncia”.
A Procuradoria diz ainda que em relação aos denunciados foi feita uma “análise individualizada das provas de materialidade do crime e de indícios de autoria, conforme estabelece a legislação”.
“Além disso, as denúncias são acompanhadas de requerimentos de diligências adicionais, a serem realizadas no curso da instrução criminal. Também deixam consignado que os denunciados podem responder por outros crimes, a depender do andamento das investigações”, diz a nota enviada pela PGR.