Documento apreendido na casa de Anderson Torres foi anexado a ação sobre abuso de poder político na eleição
Folha de São Paulo – O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) deve decidir nesta terça-feira (14) se mantém a minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres (Justiça) nos autos de investigação que pode levar Jair Bolsonaro (PL) à inelegibilidade.
O documento foi anexado à ação que mira o ex-presidente pelos ataques ao sistema eleitoral em reunião com embaixadores no Palácio do Alvorada, em julho do ano passado.
Bolsonaro recorreu, mas o corregedor-geral eleitoral, Benedito Gonçalves, negou e submeteu sua decisão a referendo do plenário, composto por ele e outros seis ministros.
Além de Gonçalves, o plenário do TSE é composto por Alexandre de Moraes (presidente), Ricardo Lewandowski (vice), Cármen Lúcia, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach. A tendência é que a decisão do corregedor seja referendada, a exemplo de anteriores envolvendo apurações sobre a campanha presidencial.
Nesta terça, Cármen estará em Lisboa para evento na área eleitoral que reunirá representantes de países de língua portuguesa. Até a conclusão deste texto, o TSE ainda não tinha informação sobre a participação dela no julgamento, realizado em sistema híbrido (presencial e virtual).
Indicados por Bolsonaro ao STF (Supremo Tribunal Federal), os ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça são suplentes na corte eleitoral. O ministro Dias Toffoli também é suplente.
A minuta golpista foi apreendida pela Polícia Federal durante busca na casa de Anderson Torres, que também é ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. A apreensão do documento foi revelada pela Folha.
O texto tratava de uma proposta de decreto para o ex-chefe do Executivo instaurar um estado de defesa no TSE e, com isso, reverter o resultado da eleição em que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) saiu vencedor. Tal medida seria inconstitucional.
Torres foi ministro da Justiça de Bolsonaro e atualmente está preso por determinação de Moraes, no âmbito de inquérito do STF sobre os atos golpistas de 8 de janeiro. Moraes atendeu a um pedido da PF no inquérito que apura omissão de autoridades do DF no episódio.
O ex-presidente Bolsonaro é alvo de uma série de investigações na corte eleitoral sob a alegação de abuso de poder político ou econômico, além do uso indevido dos meios de comunicação.
O leque pode ser ampliado se houver indícios do uso da máquina pública nos gastos com o cartão corporativo nos meses que coincidem com o período da campanha eleitoral.
O pedido para incluir a minuta golpista na investigação foi feito pelo PDT, autor da representação que deu início à apuração do episódio.
Advogados do partido alegaram que o papel recolhido na casa de Torres foi o “embrião gestado com pretensão a golpe de Estado” e, portanto, apto a “densificar os argumentos que evidenciam a ocorrência de abuso de poder político tendente a promover descrédito a esta Justiça Eleitoral e ao processo eleitoral, com vistas a alterar o resultado do pleito”.
Ao deliberar sobre a inclusão da minuta golpista nos autos sob sua relatoria, Gonçalves ponderou que a tese do PDT é, desde o início, a de que o discurso de Bolsonaro aos embaixadores, realizado em 18 de julho, não mirava apenas representantes estrangeiros, mas estaria inserido na estratégia de campanha de “mobilizar suas bases” por meio de fatos sabidamente falsos sobre o sistema de votação.
A minuta de decreto de estado de defesa no TSE estaria inserida nesse contexto ao propor a alteração do resultado do pleito, sustentou o partido. O ministro afirmou haver “inequívoca correlação” entre os fatos e documentos novos e a apuração que já estava em curso.
Os advogados de Bolsonaro e de Walter Braga Netto, candidato a vice e também alvo da apuração, argumentaram que a anexação do documento na ação representaria “a admissão de fato novo, e não de documento novo, em momento tão avançado da marcha processual”.
Também alegaram que a minuta não representa prova para o deslinde da causa, “uma vez que é apócrifa”; que não foi encontrada em posse dos investigados e nem é assinada por eles.
Além disso, sustentou não haver indícios de que a dupla tenha participado de sua redação ou que tenha agido “para que as providências supostamente pretendidas pelo documento fossem materializadas”.
O ministro, porém, sustentou que o documento se conecta às alegações iniciais da autora da ação, no sentido de que o discurso de Bolsonaro no encontro com embaixadores “era parte da estratégia de campanha consistente em lançar graves e infundadas suspeitas sobre o sistema eletrônico de votação.”
“Essa estratégia de defesa, como facilmente se observa, busca um esvaziamento da legítima vocação da ação para tutelar bens jurídicos de contornos muito complexos, como a isonomia, a normalidade eleitoral e a legitimidade dos resultados”, disse Gonçalves.
O corregedor também afirma que o devido processo legal tem, entre suas virtudes, a capacidade de decantar os fatos e possibilitar seu exame analítico e que os resultados das eleições presidenciais de 2022, “embora fruto legítimo e autêntico da vontade popular manifestada nas urnas, se tornaram alvo de ameaças severas”.
“É central à consolidação dos resultados das eleições 2022 averiguar se esse desolador cenário é desdobramento de condutas imputadas a Jair Messias Bolsonaro, então presidente da República, e a seu entorno. Esse debate não pode ser silenciado ou inibido por uma artificial separação das causas de pedir nas diversas AIJEs (Ações de Investigação Judicial Eleitoral)”, disse.