Sugestões de Pequim ofereceriam algum alívio à Rússia, como fim de sanções, e tem pontos pouco claros; para Ocidente, país asiático não tem credibilidade
O Globo – Depois de sugestões de Pequim de que a China estava pronta para desempenhar um papel mais enérgico na busca pela paz na Ucrânia, o governo chinês publicou nesta sexta-feira, dia de aniversário de um ano da guerra, um documento que pede um cessar-fogo, que declara a defesa da integridade territorial sem esclarecer como e que oferece benefícios à Rússia, sua aliada. O documento foi prontamente rejeitado pela Otan.
Se realizados, alguns dos 12 pontos descritos pela China no documento divulgado na sexta-feira ofereceriam benefícios ao presidente russo, Vladimir Putin.
Esses incluem um cessar-fogo, que congelaria as tropas russas em suas atuais posições no território ucraniano, bem como um apelo para encerrar imediatamente todas as sanções não endossadas pelo Conselho de Segurança da ONU, onde a Rússia detém o poder de veto.
O primeiro dos 12 pontos apresentados no documento, intitulado “Posição da China sobre a solução política da crise na Ucrânia”, afirma que “a soberania, a independência e a integridade territorial de todos os países devem ser efetivamente mantidas”.
A princípio, a defesa da integridade territorial significa uma discordância da anexação militar forçada por Moscou. O texto, no entanto, não diz como isso poderia ser alcançado. A Rússia atualmente ocupa cerca de 20% do território ucraniano.
O Ministério das Relações Exteriores da China divulgou o documento nesta sexta-feira, aniversário da invasão da Rússia, após o chanceler da China, Wang Yi, visitar a Europa, dizendo a um fórum de segurança em Munique que o documento definirá as posições da China para uma “relação política solução” da crise.
O documento pede o fim dos combates e a retomada das negociações de paz. “A segurança dos civis deve ser protegida de forma eficaz e devem ser criados corredores humanitários para a evacuação de civis das zonas de conflito”, afirma.
O texto também fala no “abandono da mentalidade da Guerra Fria”, na redução dos riscos estratégicos e no respeito à soberania de todos os países, com uma sugestão de que a Ucrânia não poderia fazer parte da Otan, como demandava a Rússia antes da guerra.
Separadamente, fala-se sobre a superação da crise humanitária, a implementação do acordo de grãos, a restauração da Ucrânia e a garantia da segurança das usinas nucleares. A própria China expressou sua vontade de trabalhar com a comunidade internacional e desempenhar um papel construtivo na resolução do conflito.
Wang, o chanceler chinês, já expusera princípios semelhantes em março.
Otan descarta plano
O documento foi prontamente descartado por líderes ligados à Otan.
O conselheiro de segurança nacional dos EUA — país que mantém acirrada rivalidade com Pequim —, Jake Sullivan, falando na CNN, rejeitou a proposta chinesa, dizendo que deveria ter terminado após o primeiro ponto, que pede “respeito à soberania de todos os países”.
— Esta guerra pode acabar amanhã, se a Rússia parar de atacar a Ucrânia e retirar suas forças — disse ele.
Questionado sobre a proposta, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, disse:
—A China não tem muita credibilidade porque o país não condenou a invasão.
A chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leye, disse que o plano de paz proposto pela China perde prestígio porque o país supostamente tomou partido.
— Vamos analisar os princípios, é claro, mas vamos analisá-los tendo como pano de fundo que a China tomou partido. Não é um plano de paz — disse von der Leyen, presidente da comissão. — A China tomou partido ao assinar, por exemplo, uma amizade ilimitada [com a Rússia] pouco antes da invasão.
As críticas foram mais discretas da Ucrânia, que tentou evitar alienar Pequim desde o início da guerra.
— Claro que a Ucrânia gostaria de ver a China ao seu lado — disse Zhanna Leshchynska, a principal diplomata de Kiev em Pequim. — No momento, vemos que a China não está apoiando os esforços ucranianos. Esperamos que eles também conclamem a Federação Russa a parar a guerra e a retirar suas tropas do território da Ucrânia.
Não houve comentários oficiais imediatos sobre o plano chinês da Rússia, que estava comemorando um feriado na sexta-feira.
O porta-voz da Chancelaria chinesa Wang Wenbin comentou as críticas ao plano de Pequim. Em particular, ele respondeu às críticas de que essas propostas não tinham “nada de novo”.
— Acho que as pessoas relevantes estão espalhando algumas opiniões infundadas para difamar a China — disse o diplomata.
A invasão da Ucrânia por ordem der Putin criou dificuldades para a China. Os líderes chineses veem a Rússia como um contrapeso vital para o poder americano, mesmo que desejem discretamente que Putin pare com sua beligerância militar.
As autoridades americanas e europeias temem que a proposta chinesa possa obter alguma força nos países não alinhados do chamado Sul global, como Índia, África do Sul e também o Brasil, que resistiram aos apelos para aderir às sanções contra a Rússia.
O anúncio chinês veio um dia depois que o país se absteve de uma resolução das Nações Unidas pedindo o fim da guerra. A medida foi aprovada por 141 votos a favor, incluindo o Brasil, 7 votos contra, e 32 abstenções. A resolução da ONU incluía uma demanda pela retirada das tropas russas do território da Ucrânia.
Cerca de três semanas antes da invasão, Putin e o líder da China, Xi Jinping, se encontraram em Pequim e declararam uma amizade “sem limites” entre seus países. Em uma declaração conjunta naquela cúpula, Xi também endossou a oposição russa à possibilidade de que a Organização do Tratado do Atlântico Norte se expandisse ainda mais na Europa Oriental, incluindo, por implicação, na Ucrânia.
Os governos europeus queriam que Xi fizesse mais para controlar Putin. Após as primeiras semanas da invasão, a China procurou mostrar que buscava a paz na Ucrânia e desaprovava a carnificina e a destruição ali. Mesmo assim, Xi e os diplomatas chineses continuaram a elogiar seu relacionamento mais amplo com a Rússia e evitaram chamar as ações de Putin de invasão ou guerra.
O novo documento de posição mantém essa postura e redação eufemística e sugere alguma simpatia contínua com as queixas subjacentes de Putin com os Estados Unidos e seus aliados. Os países deveriam abandonar a “mentalidade da Guerra Fria, diz o documento, uma crítica que Pequim dirige principalmente a Washington.
Ele também reafirma a oposição chinesa às sanções econômicas que cortaram amplamente a Rússia dos mercados e produtos ocidentais.
“Sanções unilaterais e pressão máxima não podem resolver o problema; eles apenas criam novos problemas”, diz o texto.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskiy, prometeu continuar lutando até que as tropas russas partam. Moscou não deu sinais de parar seus ataques e continua reivindicando partes do leste da Ucrânia e da Crimeia como seu território depois de realizar referendos ilegais sobre a anexação.