Os deputados votaram apenas 25 projetos entre fevereiro e março, o menor número de propostas apreciadas na comparação com o mesmo período dos inícios de legislaturas desde 2011
O Globo – Enquanto o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), travam uma disputa em torno das regras de tramitação de Medidas Provisórias (MPs), os trabalhos no Congresso avançam em ritmo lento. Os deputados votaram apenas 25 projetos entre fevereiro e março, o menor número de propostas apreciadas na comparação com o mesmo período dos inícios de legislaturas desde 2011. Já os senadores, embora tenham registrado uma produtividade maior, com a análise de 30 matérias, têm votado itens de pouca relevância, como a criação de datas comemorativas.
Nesse cenário, o governo costura um acordo para pôr fim ao duelo entre os dois personagens mais poderosos do Congresso. Há ainda, segundo o Palácio do Planalto, 27 MPs aguardando análise do Congresso.
Pacheco se empenha em restaurar o formato de tramitação das Medidas Provisórias — normas com força de lei editadas pelo presidente da República — que vigorava até o início da pandemia de Covid-19. Por ele, as medidas provisórias começavam a ser analisadas numa comissão mista, formada por igual número de deputados e senadores. A relatoria de cada MP se alternava entre representantes das duas Casas. O posto é estratégico, pois cabe ao relator elaborar um parecer sobre aquela matéria.
Com a pandemia, as MPs começaram a ser apreciadas primeiro no plenário da Câmara, dando mais poder aos deputados. Lira agora quer manter a regra, sob o argumento de que as comissões mistas deveriam contar com mais deputados do que senadores, já que a Câmara tem 513 representantes, e a Casa vizinha, 81.
Impacto no Planalto
O cabo de guerra começou a preocupar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já que pode atrasar o andamento de Medidas Provisórias consideradas estratégicas pelo Palácio do Planalto. As MPs entram em vigor assim que são editadas, mas precisam ser votadas na Câmara e no Senado em até 120 dias. Caso contrário, o texto perde o efeito. Entre as normas que aguardam na fila estão uma que reorganiza os ministérios, criando e extinguindo pastas, e outra que dá ao governo o voto de minerva nos julgamentos do tribunal administrativo da Receita Federal (Carf). A extinção da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), assunto que vem gerando reação entre congressistas, também foi levada adiante via MP.
O caminho do meio entre Lira e Pacheco passa pela elaboração de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para dar fim às comissões mistas e estabelecer uma alternância entre as duas Casas no início da tramitação de MPs. Os líderes do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), tentam viabilizar o acordo. Randolfe afirma que, apesar de Lira ter sido o primeiro a mencionar publicamente a ideia da PEC, Pacheco deu sinal verde para a proposta.
— A ambos, Lira e Pacheco, assiste razão. Nós temos então que, a partir dessa realidade, encontrar mediação, que é a PEC da alternância — afirma Randolfe.
O líder do governo no Congresso tem a expectativa de que o problema seja resolvido antes da viagem de Lula à China, prevista para a última semana de março. Os presidentes da Câmara e do Senado vão compor a comitiva brasileira.
Nos bastidores, porém, a corrida continua. Pacheco trabalha para que a PEC que vai regulamentar a nova regra comece a tramitar pelo Senado. Dessa forma, caberia aos senadores a redação final do texto. Ao sair do Senado, o projeto será votado na Câmara e, se for modificado, volta para ser concluído pelos senadores.
O desacordo sobre o roteiro de análise de MPs foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). O senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) entrou com uma ação para pedir que a Corte determine a retomada do antigo rito, tendo as comissões mistas como ponto de partida da tramitação.
— Temos que esperar primeiro a decisão da Justiça. Esse tema foi judicializado. Segundo, esperar que haja um entendimento entre os dois presidentes das Casas, a Câmara e o Senado — afirma o senador Humberto Costa (PT-PE).
Enquanto o acordo não é sacramentado, Lira sobe o tom das críticas a Pacheco. Em entrevista à jornalista Miriam Leitão, na GloboNews, na quarta-feira, o deputado afirmou que tem falado “pouco” com o senador. No mesmo dia, horas antes, Lira classificou as comissões mistas de “antidemocráticas”.
Em meio à disputa que já não se restringe aos bastidores, a atividade legislativa segue caminhando lentamente. A Câmara só votou 25 projetos desde o início dessa legislatura, que começou no dia 1º de fevereiro. Se considerados os meses de fevereiro e março dos anos de estreia de deputados, em 2011 foram 30 propostas apreciadas pela Casa, enquanto 2015 teve 44 textos analisados. Já em 2019, a Câmara se debruçou sobre 31 matérias.
No Senado o quadro é diferente. Os parlamentares da Casa votaram 30 projetos, dentro da média dos outros anos. Entre eles, contudo, estão a propostas de menor impacto como a que cria a semana nacional de conscientização da depressão, acordos de cooperação do Brasil com o Quênia, República de Seychelles e Jamaica, além de MPs que sobraram do ano passado. Pacheco chegou a pautar um projeto que garante o seguro-desemprego para vítimas de catástrofes naturais, mas não houve acordo no plenário e ele foi remetido para análise de uma comissão. O mesmo aconteceu com um projeto que ameniza punições para quem desobedecer o Código do Consumidor.
O líder do PSD e correligionário de Rodrigo Pacheco, senador Otto Alencar (BA), admite que a Casa só tem a previsão de analisar textos que sobraram do ano passado e estão perto de perder a validade, como o que estabelece o Pronampe, linha de crédito para pequenas empresas.
— Pode acontecer que se vote alguma matéria, sobretudo as medidas provisórias do ano passado que estão para vencer — resume.
Outros embates
Arthur Lira e Rodrigo Pacheco já protagonizaram outras quedas de braço. Recentemente, por exemplo, eles adotaram posturas conflitantes em relação ao projeto que altera a lei das estatais. A proposta foi votada de forma célere na Câmara no final do ano passado, mas está engavetada no Senado.
O texto afrouxa a quarentena para que indicados políticos sejam escolhidos para cargos em empresas estatais. Enquanto Lira agiu para colocar o texto diretamente em votação no plenário, Pacheco já avisou a aliados que não vai tomar a iniciativa de pautar o projeto.