Após a minuta golpista encontrada em sua casa, o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, se vê novamente como alvo de investigações criminais. Agora, Torres é investigado por uma viagem à Bahia entre o primeiro e o segundo turno das eleições do ano passado para apurar como foi montada a operação da Polícia Rodoviária Federal que bloqueou estradas no Nordeste no dia do segundo turno.
Na operação, que gerou um conflito entre o ministro do Supremo Alexandre de Moraes e o diretor da PRF, Silvinei Vasques, foi feito o dobro de abordagens do primeiro turno – um dos motivos para a Polícia Federal colocá-la na mira de uma investigação específica. A PF apura se houve um esforço dirigido para impedir que eleitores de Lula chegassem aos locais de votação.
O inquérito tenta reconstituir a forma como o governo Bolsonaro se preparou para sabotar o adversário petista no segundo turno – e, junto com as apurações sobre a minuta golpista, deve complicar a vida de Anderson Torres, como antecipou o colunista Lauro Jardim.
O episódio é emblemático das descobertas que a PF vem fazendo sobre o que se passou nos dias antes da eleição.
Segundo o que os delegados já apuraram, no final da manhã da quarta-feira 26 de outubro, o ex-ministro da Justiça Torres e seus assessores se reuniram com o superintendente da Polícia Federal na Bahia, Leandro Almada, e seus dois assessores diretos, os delegados Flávio Marcio Albergaria Silva e Marcelo Werner Derschum Filho.
O objetivo era passar pessoalmente uma ordem: que a Polícia Federal se engajasse, com equipes e trabalho de inteligência, na operação que o Ministério da Justiça planejara com a Polícia Rodoviária Federal nos ônibus e veículos que transportariam eleitores no domingo, com vistas a parar todos os que apresentassem qualquer tipo de irregularidade.
Torres tinha passado o final de semana anterior imerso na crise provocada pelo ataque do ex-deputado Roberto Jefferson aos agentes da Polícia Federal que lhe deram voz de prisão, no Rio de Janeiro.
Apesar do cansaço, porém, tinha uma missão a cumprir na Bahia, que ele mesmo classificou a auxiliares como “estratégica”.
Por isso, na noite anterior, desembarcou na base aérea do aeroporto de Salvador num jato da FAB, junto com o diretor-geral da PF, Márcio Nunes, e seu secretário-executivo, o brigadeiro Antonio Lorenzo.
“A função de vocês aqui é tão estratégica que se eu pudesse trocaria de lugar com vocês”, disse ele ao grupo reunido na superintendência da PF, segundo os relatos feitos pelos participantes da reunião à PF e ao Ministério da Justiça.
Torres disse que o ministério estava recebendo muitas denúncias de compras de voto por petistas no Nordeste. Para ele, só isso explicava a grande diferença entre a votação de Lula e a de Bolsonaro no primeiro turno. Na Bahia, Lula tinha tido 5,8 milhões de votos (69,73%), contra 2 milhões (24,31%) do então presidente.
Segundo ele, as informações do setor de inteligência indicavam que os petistas pretendiam causar confusão no dia do segundo turno, e que por isso era preciso engajamento na operação para vistoriar todo mundo.
Por isso, o ministro queria que a Polícia Federal colocasse pelo menos 90% do efetivo nas ruas e estradas no domingo – o que seria atípico para o período.
O tom de Anderson na reunião causou espanto nos policiais. Já havia chegado às superintendências do Nordeste a informação de que o Ministério da Justiça planejava uma operação no dia da eleição – que em tese seria nacional, mas que claramente visava impedir o deslocamento de eleitores nos estados do Nordeste.
Superintendentes da PRF na região, inclusive, não escondiam dos subordinados qual era o objetivo da operação. Vários deles agora estão na mira da PF e do Supremo.
O plano inicial do Ministério da Justiça era inclusive promover uma entrevista coletiva no mesmo dia, após a votação, com a presença das chefias da Polícia Rodoviária Federal e da PF, além de assessores.
A entrevista, porém, não chegou a acontecer, porque a PF da Bahia não se engajou na operação, e a intensa movimentação da PRF nas estradas levou o ministro Alexandre de Moraes a intimar o diretor-geral da corporação a interrompê-la, sob pena de multa e afastamento do cargo.
O esforço da PRF e de Torres não teve o efeito desejado. Os eleitores não deixaram de votar por causa dos bloqueios. Mas Torres e seus ex-subordinados na PRF agora estão sob risco de serem indiciados pela Polícia Federal. A viagem no jato da FAB à Bahia saiu caro para os cofres públicos, mas poderá ficar ainda mais cara para o próprio ex-ministro de Bolsonaro.