Presidente se envolveu em atritos com o BC pela taxa de juros e com o senador Sergio Moro. Primeiros meses do mandato serviram para reativar programas sociais, como o Bolsa Família.
Esta segunda-feira (10) marca 100 dias do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Logo no início do período, o presidente teve que lidar com os ataques golpistas que vandalizaram as sedes dos três poderes em Brasília. Depois, com a situação normalizada, pôde avançar em promessas de campanha – principalmente na área social, como a volta do Bolsa Família.
O período, no entanto, também foi marcado por declarações de Lula que causaram polêmica e agitação na política e no mercado. Por exemplo, as críticas ao Banco Central e à taxa de juros.
Os primeiros 100 dias confirmaram, também, tendências que já haviam sido antecipadas por especialistas: a nova posição do Brasil no cenário internacional e uma agenda intensa de viagens oficiais.
Veja abaixo os principais momentos do início do terceiro mandato do petista no Planalto:
Ataques golpistas e crise Yanomami
No dia 8 de janeiro, uma semana após Lula tomar posse, vândalos invadiram e depredaram as sedes dos três poderes: Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal (STF).
O presidente, que estava em Araraquara (SP) para monitorar os estragos causados pelas fortes chuvas, antecipou a volta a Brasília.
No dia seguinte, reuniu governadores, ministros do governo e ministros do STF para uma caminhada simbólica pela Praça dos Três Poderes, em defesa da democracia.
Os ataques geraram a primeira situação de crise do governo recém-empossado.
Nas semanas seguintes, Lula se articulou com líderes políticos para evitar a repetição do episódio e pacificar o ambiente. A Polícia Federal, por sua vez, iniciou procedimentos para investigar e prender os responsáveis pelos atos golpistas.
Ainda em janeiro, o governo federal teve de lidar com outra crise: o agravamento da crise humanitária na Terra Indígena Yanomami, fruto da invasão de garimpeiros e do abandono da ajuda estatal.
Crianças e adultos Yanomami foram identificados com quadros graves de malária e desnutrição, além de casos de pneumonia e contaminação por mercúrio – metal usado pelo garimpo ilegal sem qualquer monitoramento.
O governo federal lançou a Operação Yanomami para retirar garimpeiros da terra indígena, destruir equipamentos, investigar a cadeia de comando dessas operações e garantir assistência aos indígenas. Passados dois meses, no entanto, ainda há registros de extração clandestina e resgate de crianças em condições críticas de saúde.
Falas polêmicas
Algumas falas polêmicas do presidente marcaram os três primeiros meses de mandato.
Em visita à Terra da Raposa Serra do Sol em março, Lula afirmou que apesar “de toda desgraça” a escravidão “trouxe uma coisa boa que foi a mistura, a miscigenação”.
Outra declaração polêmica foi direcionada ao senador Sergio Moro (União-PR), que condenou Lula enquanto era juiz.
Após uma operação da Polícia Federal que prendeu suspeitos de arquitetar assassinatos e sequestro de autoridades, Lula disse que via “armação” de Moro no caso.
Lula também desautorizou ministros em algumas situações.
Em março, durante uma reunião ministerial, o presidente chegou a dar uma bronca no primeiro escalão, para que não fizessem anúncios sem o aval do Planalto.
Na ocasião, o presidente disse que qualquer “genialidade” que algum ministro possa ter deve ser conversada com a Casa Civil e com a presidência da República antes de ser anunciada.
Na última quinta, em café com jornalistas no Palácio do Planalto, Lula desautorizou o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o comando da Petrobras a anteciparem uma discussão sobre a política de preços da companhia.
“A política de preços da Petrobras será discutida pelo governo no momento em que o presidente da República convocar o governo para discutir. Enquanto o presidente da República não convocar, a gente não vai mudar o que está funcionando hoje”, disse.
Na área econômica, a principal polêmica foi o embate do governo com o Banco Central sobre a taxa básica de juros da economia, a Selic, atualmente em 13,75% ao ano. A definição cabe ao Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, formado pelo presidente e pelos diretores do banco.
Lula e integrantes do governo têm feitos críticas reiteradas à manutenção da taxa, porque acreditam que o índice inibe o crescimento da economia. O presidente chegou a dizer que poderia rever a autonomia do BC, aprovada pelo Congresso durante o governo Jair Bolsonaro.
“Eu vou continuar batendo, eu vou continuar tentando brigar para que a gente possa reduzir a taxa de juros, para que a economia possa ter investimento”, disse Lula sobre o BC no dia 21 de março.
Viagens
Durante os 100 primeiros dias de governo, Lula fez três viagens internacionais, sendo duas na América Latina.
Segundo especialistas, a escolha dos países vizinhos foi estratégica e simbolizou a intenção do presidente de resgatar laços. Ele também teria feito uma viagem à China, mas precisou adiar para esta semana, em razão de uma pneumonia.
A primeira, com destino à Argentina, ocorreu dias depois de Lula assumir o terceiro mandato.
Em Buenos Aires, se encontrou com o presidente Alberto Fernández, que possuía relação conflituosa com o ex-presidente Jair Bolsonaro, e chegou a pedir desculpas pelo que chamou de “grosserias” do ex-presidente.
Da Argentina, Lula seguiu para o Uruguai onde se reuniu com o presidente do país, Luis Alberto Lacalle Pou, e com o ex-presidente Pepe Mujica.
Menos de quinze dias depois, o petista embarcou para os Estados Unidos onde se reuniu com o presidente dos EUA, Joe Biden. Na ocasião, ressaltaram a importância de uma parceria entre os dois países no combate às mudanças climáticas.
Havia uma expectativa de que Biden anunciasse valores para o Fundo Amazônia, o que não se concretizou.
“Não discuti especificamente o Fundo Amazônia. Eu discuti a necessidade dos países ricos assumirem a responsabilidade de financiar todos os países que têm florestas”, afirmou Lula em entrevista após a reunião.
Os dois presidente também falaram de defesa da democracia, um tema central para Lula e para Biden.
Principais medidas
Uma das principais medidas tomadas no início do governo diz respeito ao acesso a armas pela população.
Ao tomar posse em janeiro, Lula assinou um decreto que revogou uma série de normas do ex-presidente Jair Bolsonaro que haviam facilitado o acesso a esses itens. Outra medida foi o recadastramento das armas compradas a partir de maio de 2019.
Além disso, o governo fez mudanças em programas sociais e lançou uma série de propostas econômicas. Veja:
- Mais Médicos
Em março, o governo relançou o programa. O objetivo é expandir o número de profissionais e incentivar a permanência no projeto.
- Bolsa Família
O governo reestruturou o programa de assistência social para garantir pagamento mínimo de R$ 600 por família, mais um adicional por cada criança de até 6 anos.
Em fevereiro, a Caixa Econômica Federal também anunciou a suspensão definitiva de empréstimos consignados pelo Bolsa Família. Segundo o Ministério da Cidadania, o banco era responsável por 80% das contratações do serviço.
- Retomada de mecanismos ambientais
Logo no primeiro dia de mandato, Lula assinou decreto para a retomada do Fundo Amazônia – mecanismo que usa aportes bilionários de outros países para financiar projetos de preservação ambiental.
- Procuradoria de Defesa da Democracia
O advogado-geral da União, Jorge Messias, anunciou a criação da procuradoria em janeiro, ao assumir o cargo. Segundo ele, o órgão vai ajudar a defender a democracia e combater a desinformação usada como arma política contra os atos públicos.
- Novo arcabouço fiscal
No fim de março, o o governo anunciou a proposta de nova regra fiscal para substituir o atual teto de gastos, e controlar os gastos públicos.
O texto prevê que as despesas podem crescer acima da inflação, ou seja, terão alta real (descontada a inflação) entre 0,6% a 2,5%. Ainda segundo a proposta, os gastos vão poder crescer somente entre 50% e 70% da variação da receita. Para valer, o projeto precisa ser aprovado pelo Congresso.
- Impostos sobre combustíveis
Após um embate entre as alas política e econômica, o governo decidiu retomar a cobrança de parte dos impostos federais que incidem sobre combustíveis. Os tributos tinham sido zerados pela gestão anterior.
Com isso, a gasolina passou a ser reonerada em R$ 0,47 por litro e o etanol, em R$ 0,02. A medida vale até junho e os impostos podem subir ainda mais a partir de julho, pois voltarão a ser praticadas as alíquotas vigentes antes da desoneração, que são maiores.
A decisão final caberá ao Congresso, que vai analisar a medida provisória que trata do tema. Já o diesel e o gás de cozinha continuarão isentos de impostos federais até o fim do ano.
- Salário mínimo
O governo decidiu reajustar o salário mínimo, de R$ 1.032 para R$ 1.320, a partir de maio. Uma medida provisória deve ser publicada no “Diário Oficial da União”. No início do ano, houve a expectativa de que o reajuste seria imediato, mas o governo adiou a medida, devido ao impacto nas contas públicas.
- Imposto de Renda
O governo também anunciou o reajuste da tabela do Imposto de Renda (IR) para pessoas físicas. A partir de maio, a faixa de isenção do IR será ampliada, de R$ 1.903,98 – em vigor desde 2015 – para R$ 2.112. A medida deve ser oficializada por medida provisória.
Além da ampliação, haverá um desconto mensal de R$ 528 direto na fonte. Ou seja, sobre o imposto que seria devido pelo empregado. Isso porque o governo quer manter a promessa de deixar isentos todos que ganham até dois salários mínimos.
Busca por base no Congresso
Em 100 dias, Lula ainda busca uma base de apoio robusta no Congresso. Por ora, isso ainda não foi um problema, porque projetos importantes e de maior impacto não foram votados.
Para o líder do PT na Câmara, deputado Zeca Dirceu (PT-PR), a tendência é a base do governo se consolidar à medida em que a execução do Orçamento e as nomeações de aliados vão ganhando ritmo.