Auditores-fiscais do MTE localizaram trabalhadores submetidos a condições degradantes, pagamento precário e jornadas exaustivas nas cidades de Murici e Marechal Deodoro
g1 AL — Uma força-tarefa formada por auditores-fiscais do trabalho do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), resgatou 49 trabalhadores de uma pedreira e de uma construtora que estavam sendo submetidos a condições análogas à escravidão nas cidades de Murici e Marechal Deodoro, no interior de Alagoas.
A fiscalização começou no dia 2 de abril e as inspeções ainda não foram concluídas. Até esta quarta-feira (12), tinham sido vistoriados oito estabelecimentos. As irregularidades foram flagradas em cinco pedreiras na cidade de Murici, de responsabilidade da Pedreira Cansanção, e em uma obra de construção civil em Marechal Deodoro, da Construtora Gavama.
Entre as irregularidades encontradas, estão:
- Pagamento baseado apenas pelo número de peças produzidas, sem garantia de um salário-mínimo adequado ou de uma jornada de trabalho limitada
- Acomodações em barracos rústicos montados sobre o chão de terra, com pedaços de galhos e com cobertura de telha ou palha
- Refeições preparadas e cozidas em uma estrutura de pedras montadas no chão, com uma grelha, onde eles colocavam uma panela e acendiam o fogo com madeira
- Necessidades fisiológicas feitas no mato e banho tomado a céu aberto, em uma cacimba existente nas proximidades
- Não era fornecida água potável ao consumo dos trabalhadores da pedreira
A Pedreira Cansanção informou que os trabalhadores formam uma “cooperativa de extração artesanal, onde as pessoas trabalham em regime de economia familiar”. Disse ainda que está atuando “para que tudo seja esclarecido e regularizado, bem como as medidas de segurança e saúde sejam implantadas no local para permitir melhores condições aos cooperados”.
A Construtora Gavama não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Por causa das péssimas condições de trabalho, vida e moradia encontradas e por serem submetidos à jornada exaustiva, os trabalhadores foram resgatados pelos auditores-fiscais e afastados das condições degradantes de trabalho.
Também foram fiscalizadas duas pedreiras na cidade de Boca da Mata, mas nesse caso não houve flagrante de irregularidades.
Situação degradante em pedreiras de Murici
Os 44 trabalhadores encontrados na pedreira em Murici eram distribuídos em cinco frentes de trabalho distintas e realizavam atividades de corte de pedras paralelepípedo, de maneira totalmente rudimentar e artesanal, com emprego de ferramentas manuais.
Os fiscais flagraram descumprimento de quaisquer medidas de Saúde e Segurança do Trabalho, informalidade e irregularidade das relações trabalhistas, jornada exaustiva, degradância do ambiente de trabalho, vida e moradia e grave e iminente risco.
Entre as irregularidades encontradas estavam:
- Trabalhadores sem registros, portando, sem qualquer garantia de direitos trabalhistas e previdenciários.
- Sistema de trabalho por produção, sem nenhum direito trabalhista garantido, recebiam pelo que produziam, sem outras garantias.
- Não pagamento do 13º salário e todos, sem exceção, nunca tiveram as férias concedidas ou remuneradas. Outros 18 trabalhadores também foram localizados nas pedreiras na informalidade.
- Pagamento baseado apenas pelo número de peças produzidas, sem garantia de um salário-mínimo adequado ou de uma jornada de trabalho limitada. Isso acabava incentivando os trabalhadores a executar a atividade de forma exaustiva, ultrapassando seus limites físicos e mentais.
- Ambiente de trabalho degradante, que não oferecia condições mínimas de saúde, higiene e segurança aos trabalhadores.
- Não eram fornecidos os Equipamentos de Proteção Individual (EPI), não havia controle médico, não existia materiais de primeiros socorros ou treinamentos
- Utilização de explosivos para romper as rochas, o que vai de encontro à legislação por causa da possibilidade de causar acidentes com riscos graves e consequências danosas aos trabalhadores.
- Acomodações de apoio ficavam restritas a barracos rústicos montados sobre o chão de terra, com pedaços de galhos e com cobertura de telha ou palha. Para piorar a situação, os barracos foram construídos para guardar ferramentas e material de trabalho, mas serviam para abrigar os trabalhadores e seus pertences. Alguns até dormiam neles.
- Alimentos consumidos pelos empregados eram guardados de forma inadequada e sem conservação.
- Refeições eram preparadas e cozidas em uma estrutura de pedras montadas no chão, com uma grelha, onde eles colocavam uma panela e acendiam o fogo com madeira.
- Refeições feitas sentados no chão sobre pedaços de pedras, na rede ou revezando em algumas cadeiras e sofás velhos que estavam na pedreira.
- Ausência de instalações sanitárias nos barracos e em toda área da pedreira.
- Ausência de chuveiro para banho.
- Necessidades fisiológicas feitas no mato e banho tomado a céu aberto, em uma cacimba existente nas proximidades.
- Ausência de energia elétrica, água encanada ou local apropriado para lavagem das mãos ou dos utensílios domésticos e vasilhas utilizadas.
- Não era fornecida água potável ao consumo dos trabalhadores da pedreira. A água que os trabalhadores consumiam e que era utilizada para cozinhar, lavar as vasilhas e para todos os fins, era recolhida de uma cacimba próxima, feita com duas manilhas sobre uma nascente e encanada até um dos barracos ou mesmo de uma mina a céu aberto que ficava nas redondezas.
Irregularidades também em obra em Marechal Deodoro
Já na obra fiscalizada em Marechal Deodoro foi constatada a submissão de 5 trabalhadores a condições degradantes de trabalho. Ao todo eram 24 trabalhadores, dos quais 21 estavam trabalhando na informalidade. Todos sem condições de segurança e saúde do trabalho e com risco iminente de acidentes graves ou até fatais. Foi flagrado ainda um trabalhador menor de idade na obra.
As condições encontradas foram:
- Trabalhadores alojados nas dependências da obra, dormindo sobre colchões ou pedaços de espumas, no chão, em depósito e cômodo improvisados da obra
- Ausência de instalações sanitárias adequadas
- Ausência de local para preparo e tomada das refeições
Medidas adotadas
Ainda durante a fiscalização, nos dias 10 e 11, foram realizados, parcialmente, os pagamentos das verbas rescisórias aos trabalhadores resgatados e ao menor afastado, do montante aproximado de R$ 375.000,00.
Além disso, os 49 empregados resgatados terão direito a três parcelas de seguro-desemprego especial de trabalhador resgatado e foram encaminhados ao órgão municipal de assistência social de suas cidades, para atendimento prioritário.
Os responsáveis foram notificados a:
- Regularizar o vínculo dos trabalhos irregulares encontrados
- Quitar as verbas rescisórias dos empregados resgatados e do menor de idade afastado
- Recolher o FGTS e as contribuições sociais previstas de todos os trabalhadores
A fiscalização em Alagoas, em especial das pedreiras, é decorrente de rastreamentos e planejamentos prévios realizados pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM). Participaram da operação, além da Auditoria Fiscal do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (TEM), o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Polícia Federal.
As denúncias de trabalho análogo ao de escravo podem ser feitas de forma anônima no Sistema Ipê: ipe.sit.trabalho.gov.br.