Estadão | O deputado federal e pré-candidato à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL), diz confiar no apoio do PT à sua segunda tentativa de se eleger para a chefia do Executivo da capital paulista, em 2024. Em entrevista ao Estadão, Boulos disse que sua confiança se baseia no empenho assegurado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dois dos principais líderes da legenda: a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O parlamentar almeja ter também ao seu lado partidos da base de apoio de Lula, como PSB e PDT. E com o PT na chapa. “O presidente Lula firmou seu compromisso com minha candidatura. Gleisi e Haddad também’, afirmou. Exercendo mandato parlamentar pela primeira vez, Boulos busca afastar a imagem de radical em razão da liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). “Não se faz política sem diálogo”, disse.
O senhor abriu mão da relatoria da MP do Minha Casa Minha Vida, que acabou ficando com o União Brasil. É sintoma da fragilidade da articulação política do governo Lula?
Nós tínhamos um acordo com o governo que eu seria o relator da MP da Minha Casa Minha Vida. Só que alguns partidos, sobretudo do Centrão, não aceitaram esse acordo e se criou um impasse que poderia colocar em risco a votação. Então chegamos a um entendimento. Eu busquei esse entendimento. Mas isso é parte do diálogo no Parlamento, você não faz política sem negociação, sem diálogo.
Mas concorda que a articulação política do governo Lula precisa melhorar?
Eu acho que o governo ainda está construindo a sua base e é natural que ocorram esses choques num primeiro momento. Os partidos que apoiaram Lula não têm maioria no Congresso. Então, existe uma negociação para compor a governabilidade. Mas ainda são três meses de governo. Nenhuma matéria mais decisiva foi votada, o governo não sofreu nenhuma derrota. É natural você ter de fazer freios de arrumação.
O senhor sempre foi classificado por uma ala da política como um radical. Está aprendendo a dialogar?
É ruim quando a política é pautada por caricatura, por meme. Eu sempre fui uma pessoa de diálogo, mesmo quando eu estava no movimento social. Não se faz política sem diálogo. Falar que o Boulos é radical, que o Boulos é invasor, é o tipo de coisa que não pega. Essa tentativa de fazer política por meme já foi derrotada na eleição de 2022 e não vai ter sucesso.
A possível entrada de Ricardo Salles (PL) e de Tabata Amaral (PSB) na corrida municipal te ajuda ou te atrapalha?
Olha, antes de avaliar adversários e o xadrez eleitoral, eu prefiro avaliar a cidade. É indignante você ver a situação das pessoas em São Paulo, a cidade mais rica do Brasil e da América Latina. É lixo para todo lado, moradores de rua sendo tratados como se não fossem gente, crateras nas ruas. Parece que São Paulo está abandonada e que não tem prefeito. Isso não só torna possível como necessária uma candidatura forte do campo progressista, eu estou buscando dialogar com os partidos.
O PSB está na sua lista?
Sim, o PSB faz parte do governo Lula e tem o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin. Agora, se o partido insistir em manter uma pré-candidatura (da Tabata), vamos respeitar. O que eu sei é que é visível o sentimento de mudança na cidade.
Como avalia a vitória de Lula e de Fernando Haddad na capital em 2022?
O resultado de 2022 foi um recado muito claro: São Paulo disse não ao bolsonarismo.
Quem representa o bolsonarismo em São Paulo? Ricardo Salles. Ricardo Nunes?
Nunes votou no Bolsonaro, mas acho difícil que tenha uma candidatura só do lado de lá. Acho difícil o bolsonarismo confiar no Nunes que, por mais que ele queira dar gestos à direita, arrancando as barracas das pessoas, não é um bolsonarista raiz. Foi o que aconteceu em 2020 com o Celso Russomanno. Bolsonaro apoiou, mas não houve identificação.
Confia 100% que o PT vai cumprir o acordo feito por Lula e apoiar seu nome para a Prefeitura de SP?
Eu tenho confiança de que nós vamos ter uma ampla frente progressista em São Paulo e que o PT estará junto. O presidente Lula firmou seu compromisso. Haddad e a Gleisi também. Estamos dialogando, fazendo um processo de construção para que não seja um negócio que pareça de cima para baixo. A partir do segundo semestre vamos começar a discutir um programa de governo a partir dessa construção.
O sr. cogita deixar o PSOL e disputar a Prefeitura de SP pelo PT?
Essa questão nunca esteve em debate. Sou filiado ao PSOL, tenho respeito pelo PT e pretendo construir uma frente progressista em que todos os partidos estejam contemplados e tenham seu espaço valorizado.
A vice será do PT?
Acredito que isso seja natural pelo tamanho do PT, que já governou a cidade por três vezes.
Será uma mulher?
Esse debate a respeito de nomes não começou.
Você citou a retirada de barracas. O que faria para recuperar o centro?
Para mim, o centro de São Paulo está abandonado como nunca esteve. O Nunes conseguiu levar o para o centro expandido problemas que, historicamente, eram só da periferia. Uma senhora morreu numa enchente em Moema, um prédio irregular foi erguido no Itaim, uma drogaria sofreu um arrastão no centro. É a expressão de uma cidade abandonada. E o centro precisa de um conjunto de políticas, com um acolhimento de verdade aos moradores de rua. Ninguém quer que as pessoas fiquem em barracas, mas arrancar as barracas por higienismo é querer maquiar um problema. Isso não é uma política séria.
E o que faria com a cracolândia?
Cracolândia é um problema complexo, que passa por três medidas do meu ponto de vista: moradia, tratamento e trabalho.
Defende tratamento baseado em redução de danos ou internação?
Acho que começa com redução de danos, mas casos extremos podem precisar de internação. O discurso tem de ser baseado em casos concretos e numa política que dê trabalho às pessoas.
Fernando Haddad tentou isso quando prefeito..
Mas o programa De Braços Abertos foi interrompido brutalmente. E tem um outro papel que não é da Prefeitura. O papel de investigação, de combate ao tráfico, que ocorre à luz do dia na Cracolândia, é da Polícia Civil. Não adianta ficar jogando bomba em drogado, isso é só espetáculo que não resolve nada.
O senhor prometeu a vice ao Datena, afinal? O vazamento do vídeo no qual ele cita isso causou mal-estar com o PT?
E tenho uma relação pessoal muito boa com Datena. Ele sempre me tratou com muito respeito nas entrevistas, mas temos nossas diferenças políticas, né? Não vou comentar um vídeo privado vazado de uma forma lamentável, mas conversei com o Datena e ele mesmo disse na TV que minha chapa vai ser composta com o PT.
O prefeito de SP precisa negociar com um “Centrão” na Câmara Municipal. Acha possível governar com o vereador Milton Leite por exemplo?
É lógico que para governar uma cidade tão complexa, com tantos interesses como São Paulo, você precisa de dialogar com quem não concorda. O que precisa mudar são os termos dessa relação. Hoje, além de estarem loteadas, as subprefeituras não têm autonomia nem para atender demanda de morador para retirada de entulho.
A Prefeitura está enfrentando problemas com as concessões, como nos casos do Serviço Funerário e da Feira da Madrugada. O senhor defende novas concessões?
Se você tem um serviço público que está funcionando muito mal, você tem que estar aberto a discutir alternativas de concessão. Mas ela não pode servir para esconder uma incapacidade de gestão. A concessão dos cemitérios é um escândalo. No dia seguinte, com o mesmo cemitério, a mesma cova e a mesma sala de velório, o serviço ficou cinco vezes mais caro. Isso não tem justificativa, assim como querer terceirizar a fiscalização sobre as concessões.
O prefeito Ricardo Nunes disse, em entrevista à Rádio Eldorado, que ainda pretende implementar a tarifa zero no transporte. Essa é uma bandeira do PSOL, certo? Nesse ponto, Nunes está certo?
Eu defendi a tarifa zero no meu programa em 2020. Meu adversário na época, Bruno Covas (PSDB), de quem Nunes era vice, não fez o mesmo. Agora, casuisticamente, o prefeito passa a falar disso para tentar criar uma bandeira eleitoral. Mas fazer a toque de caixa para o processo eleitoral pode dar errado. Não dá, por exemplo, para fazer tarifa zero em todo o sistema se o metrô não fizer também. O que dá é começar aos poucos. Pode-se começar no domingo e nas linhas de madrugada. Depois, em algumas linhas que cobrem trajetos entre terminais e bairros e assim ir medindo a capacidade do sistema. Nunca faria de forma abrupta.
Como você vê essa mudança do PSOL, agora como base do PT?
Não foi o PSOL que mudou, o Brasil mudou. Quando o partido nasceu, e fazia uma crítica mais dura em relação ao governo Lula e ao governo Dilma, nós não tínhamos uma extrema direita organizada no País, não tínhamos o bolsonarismo. Esse cenário fez com que nos alinhássemos em torno de uma política de defesa do campo progressista para impedir perdas sociais.
O MST voltou a promover mais invasões agora no governo Lula e o senhor tem a pecha de invasor, por sua atuação no MTST. Isso pode lhe prejudicar?
Quero reiterar aqui que não podemos permitir que a política seja feita por memes e por fake news. O MTST não invade a casa das pessoas, isso é fake news. A luta do MTST é para que imóveis abandonados sejam destinados para moradia popular. Nosso papel também é ser pedagógico. Eu tenho 20 anos de trajetória no movimento social, que precisa ser respeitado porque é parte da democracia.
Como avalia o governo Tarcísio de Freitas?
Acho que o governo dele ainda não disse a que veio. Nesses cem dias me parece que o único projeto, o eixo principal, é privatizar a Sabesp. Mas, politicamente, nas eleições do ano que vem, ele terá um dilema.
Qual?
Eu acredito que haverá o candidato bolsonarista puro sangue e haverá o candidato da máquina, que é o prefeito. Nunes vai tentar flertar com o bolsonarismo, mas não é puro sangue, e isso vai gerar um dilema para o Tarcísio.