ESTADÃO | Num cenário de queda de receita, os governadores estão com uma folga menor no Orçamento para conceder aumentos salariais aos servidores neste ano. A conjuntura atual é bem diferente da observada em 2022, quando todos os Estados e o Distrito Federal aprovaram reajustes para os funcionários públicos.
Um levantamento realizado pelo Estadão mostra que, por ora, 12 Estados e o Distrito Federal encaminharam ou já aprovaram projetos para reajustar de forma linear o salário do funcionalismo — das 27 unidades da federação, 24 responderam à consulta da reportagem. Em geral, os aumentos têm acompanhado a inflação.
Desde o fim do ano passado, as contas públicas estaduais têm sido pressionadas por uma combinação desfavorável. A arrecadação está em queda — no acumulado de 12 meses até março, o recuo é de 4,1% — e, por outro lado, os gastos cresceram diante dos aumentos salariais concedidos no ano passado.
“A despesa com pessoal vem subindo desde o ano passado, quando o reajuste médio (no salário dos servidores) foi de 12%, o que começou a pressionar as contas dos Estados”, afirma Ítalo Franca, economista do banco Santander. “E esses novos reajustes também devem pressionar.”
Em 2023, há ainda um fator adicional de pressão do lado das despesas, que tem a ver com o piso do magistério. O reajuste foi definido pelo governo federal em janeiro, mas impacta em grande medida os cofres estaduais. “Em alguns Estados, o piso nem entrou em discussão porque o espaço é limitado”, diz Franca. Policiais e professores formam grande parte da folha de pagamento dos governos estaduais.
Em alguns casos, os aumentos de salários podem se tornar um problema para a sustentabilidade das contas públicas, porque tratam de despesas permanentes criadas num cenário em que há incerteza com relação ao desempenho futuro da arrecadação.
“Se a projeção para os Estados é a de que a arrecadação vai cair e são tomadas medidas de aumento permanente de despesa, como é o caso de reajuste de servidor público, liga-se um sinal de alerta. Corre-se sempre o risco de repetir os erros do passado”, afirma Pedro Schneider, economista do Itaú.
A queda da receita dos Estados pode ser explicada, sobretudo, pela mudança na tributação do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviço (ICMS) em itens considerados essenciais, como combustíveis, telecomunicações e energia.
O ICMS é a principal fonte de arrecadação dos Estados. No governo Jair Bolsonaro, uma lei impôs um limite entre 17% e 18% para a cobrança da alíquota do imposto — antes, ela chegava a superar 30% —, com o objetivo de reduzir o preço do combustível. Em março, União e Estados fecharam um acordo de R$ 26,9 bilhões para compensar as perdas com as mudanças no tributo.
“No início deste ano, havia uma perspectiva de uma piora relevante (nos Estados). Houve uma série de iniciativas, como o aumento da alíquota modal do ICMS e o acordo com a União, o que ajudou a dar uma estabilizada”, afirma Schneider, economista do Itaú. “Mas, aos olhos de hoje, a perspectiva de arrecadação dos Estados é de desaceleração diante da conjuntura econômica.”
Em junho, como parte do acordo, os Estados também começam a cobrar uma alíquota específica de R$ 1,22 por litro para a gasolina, o que pode ajudar a amenizar a piora do caixa de parte dos governadores.
Histórico de crises
Nos últimos anos, o desempenho fiscal dos Estados sempre foi analisado com lupa. Na virada desta década, eram vários os casos de governadores que não tinham dinheiro em caixa para pagar servidores e fornecedores.
Hoje, o cenário é diferente — e longe de ser tão grave. Na pandemia, os governadores foram beneficiados com transferências bilionárias do governo federal e, como contrapartida, ficaram sem poder reajustar os salários dos servidores em 2020 e 2021. Também tiveram suspensos os pagamentos de dívidas com a União. Com isso, o caixa dos Estados engordou.
“São dois pontos nesta discussão (de reajuste). Um é a questão da sustentabilidade desses valores, e o outro ponto é a pressão política por reajustes por causa da lei que proibiu os reajustes, durante a pandemia, até 2021″ afirma Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI). “Havia uma pressão por reajustes e recomposições, e todos os Estados devem ter sofrido com isso.”
As contas estaduais também foram ajudadas pela recuperação econômica mais forte do que o esperado inicialmente, depois de superada a pior fase da pandemia, e pela subida de preço das commodities — há Estados cuja arrecadação é bastante atrelada à cotação do petróleo.
Realidades diferentes
A capacidade de reajustar os salários dos servidores sem um grande impacto nas contas públicas é diferente entre os Estados. Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, os governos estaduais podem comprometer até 49% da receita com gasto com pessoal do Executivo. Se essa relação é ultrapassada, os governadores ficam proibidos de concederem aumentos salariais e de abrir concursos públicos.
Em Minas Gerais, o gasto com pessoal compromete 48% da receita, de acordo com dados compilados pela IFI, e o Estado alcançou o chamado limite prudencial. Sem uma grande margem para dar reajuste, o governo de Romeu Zema (Novo) diz que “empenha todos os esforços” para recompor as perdas inflacionárias.
“Essa definição (de reajuste) depende, no entanto, de garantia de disponibilidade de caixa que possibilite o pagamento, o que está em análise pelo Poder Executivo”, afirma a administração estadual, por meio de nota.
Hoje, apenas o Rio Grande do Norte ultrapassa o limite determinado pela LRF, segundo os números da IFI. A receita do Estado com gasto com pessoal está em 52,1%. Procurado, o governo do RN não se manifestou se planeja conceder reajustes lineares para os servidores do Executivo.
No Rio Grande do Sul, também, por ora, não há sinalização de que os servidores terão reajustes salariais. A justificativa é a queda de arrecadação provocada pela perda com o ICMS.
O governo de Santa Catarina é outro que caminha para não aumentar os salários. Em nota, o Estado diz que a contenção de despesas de pessoal faz parte de um ajuste para equilibrar as contas públicas.
“Uma das ações adotadas é a suspensão dos ajustes salariais dos servidores, com o intuito de adequar as despesas à atual realidade econômica, levando em consideração o panorama financeiro do Estado e a necessidade de buscar soluções sustentáveis para as finanças públicas”, afirma o governo de Santa Catarina.
Para alguns governadores, a saída tem sido conceder reajustes para categorias específicas. Em São Paulo, o governador Tarcisio de Freitas (Republicanos) aprovou um aumento salarial para policiais. Até 2025, a medida terá impacto fiscal de R$ 12,5 bilhões. O governo paulista diz que pretende promover um reajuste dos servidores, mas que ainda “estuda” uma proposta.