ESTADÃO | O Supremo Tribunal Federal (STF), a Câmara e o Senado ignoraram decisão do ministro Alexandre de Moraes e mantiveram em sigilo as imagens de câmeras internas de seus prédios no dia 8 de janeiro, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Poderes, em Brasília.
O Estadão solicitou via Lei de Acesso à Informação (LAI), em 24 de abril, acesso à íntegra das gravações de todas as câmeras internas e externas do STF, do Senado e da Câmara. O pedido foi realizado logo após Moraes mandar o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) liberar as imagens do Palácio do Planalto durante a invasão golpista.
No despacho, o ministro afirmou que “inexiste sigilo” nesse caso, com base na LAI, “sobretudo por serem absolutamente necessárias à tutela jurisdicional dos Direitos Fundamentais, ao Regime Democrático e Republicano, que foram covardemente desrespeitados no ataque criminoso à nossa Democracia”.
Ao negarem o pedido, a Câmara e o Senado alegaram, com base no artigo 23 da própria LAI e em resoluções internas, que a publicação das imagens poderia comprometer as investigações em andamento sobre o 8 de janeiro, bem como a segurança das Casas Legislativas. No mês passado, o Congresso instalou uma CPMI para investigar os atos golpistas.
“Entende-se que a divulgação de tais informações tem o potencial de colocar em risco a segurança da instituição, expondo todos os pontos espaciais de captação de imagens, além de comprometer a atividade de polícia ostensiva e de inteligência e as ações de prevenção de crimes no interior desta Casa Legislativa”, disse o Senado.
“Informa-se que as imagens gravadas pelo Circuito Fechado de Televisão (CFTV) envolvem questões sensíveis relacionadas à segurança orgânica desta Casa Legislativa, e o seu acesso irrestrito pode comprometer as atividades de segurança e inteligência, bem como de investigações em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações, razão pela qual devem ser preservadas”, afirmou a Câmara dos Deputados.
Por sua vez, o STF inicialmente descumpriu o prazo de resposta de 30 dias disposto na Lei de Acesso à Informação. Após ser questionada na quinta-feira, 25, via assessoria de imprensa, a Corte respondeu o protocolo feito pela reportagem e, também, negou acesso às imagens. “Trata-se de informação protegida, conforme disciplinado pela nossa Resolução nº 657/2020 – STF. Dessa forma, não podemos fornecer os dados solicitados”, disse.
O artigo citado pelo Supremo diz que as imagens gravadas pelo circuito interno “são de caráter reservado e não poderão ser fornecidas a terceiros”. O mesmo artigo, contudo, estabelece uma exceção em parágrafo único e diz que o acesso às gravações internas poderá ser facultado por autorização do diretor-geral.
Os argumentos usados pelo STF, pelo Senado e pela Câmara para indeferir o pedido são semelhantes aos alegados pelo GSI – sob o crivo da Controladoria-Geral da União (CGU) – e que foram rebatidos na decisão de Moraes.
O governo Lula tentou esconder as gravações até 2028, como revelou o Estadão. Moraes decidiu pela liberação das imagens do Planalto após a CNN revelar que o então ministro-chefe do GSI, general Gonçalves Dias, indicou a saída do prédio aos golpistas. Em sua defesa, o militar alegou que teria direcionado os invasores para o segundo andar, onde, segundo ele, estariam sendo realizadas as prisões. A divulgação das imagens levou à demissão do ministro.
No despacho, Moraes argumenta que o artigo 21 da LAI sobrepõe ao argumento de que a liberação das imagens poderia pôr em risco a segurança das instituições. O texto diz que não se pode negar acesso à informação ou documentos “que versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas”.
“A presente hipótese não caracteriza qualquer excepcionalidade às necessárias publicidade e transparência, não sendo possível, com base na Lei de Acesso à Informação, a manutenção da vedação de divulgação de todas – absolutamente todas – as imagens verificadas na ocasião do nefasto e criminoso atentado à Democracia e ao Estado de Direito, ocorrido em 08/01/2023″, acrescentou o magistrado.
Com as imagens divulgadas pelo GSI após a decisão de Moraes, foi possível ver detalhes dos ataques, bem como os rostos e a ação dos golpistas.