O Antagonista | O ministro Luís Roberto Barroso disse, durante o julgamento que condenou o primeiro réu do 8 de janeiro, que ninguém deve ser condenado para dar exemplo. De que serviria, então, a condenação a 17 anos de prisão de um ex-funcionário da Sabesp de 51 anos que aproveitou as férias para ir protestar em Brasília contra a eleição de Lula e acabou fazendo parte de uma turba de desconhecidos denunciada por tentativa de golpe de Estado?
A comparação com os julgamentos pela invasão do Capitólio, em Washington, se impõe, como se impuseram os paralelos entre os dois casos desde o dia 8 de janeiro. Alguns dos acusados por força a entrada no Congresso americano no dia 6 de janeiro de 2021 foram julgados por instâncias inferiores — ou seja, puderam recorrer, o que não será possível no Brasil. O Globo chama a atenção para o caso do primeiro condenado. Guy Weley Reffitt entrou com um arma de fogo no Capitólio e chegou a ameaçar Nancy Pelosi, então presidente da Câmara. Foi condenado a 7 anos e três meses de prisão. É o tamanho da distância entre as duas democracias.
Aécio Lúcio Costa Pereira está preso desde o dia 8 de janeiro, quando foi detido pelas autoridades dentro do plenário do Senado, onde brincou que iria defecar, como está registrado nos vídeos exibidos em seu julgamento. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que o condenaram não consideraram necessárias provas de que o réu quebrou alguma coisa dentro do Congresso. O simples fato de estar onde não deveria foi o bastante para sentenciá-lo a quase duas décadas de cadeia.
É legítimo defender que os envolvidos na depredação das sedes do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do STF merecem punição exemplar, para que ninguém imagine, a partir desse julgamento, que faz sentido mudar as regras do jogo só porque seu candidato perdeu a eleição. Não é possível, contudo, punir para dar o exemplo e alegar que está fazendo outra coisa. Melhor seria que os ministros admitissem que estão imolando essas pessoas em nome da República. Do contrário, a dose do remédio soará ainda mais acima do saudável para a própria República.
A denúncia do Ministério Público contra as centenas de acusados enxerga uma tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. A perspectiva foi endossada por quase todos os ministros do STF, que impuseram penas à altura. Thiago de Assis Mathar, de 43 anos, pegou uma caravana no interior de São Paulo para ir protestar em Brasília. Foi detido dentro do Palácio do Planalto em meio à multidão descontrolada. Também não há prova de que tenha quebrado nada. Ele e Aécio Lúcio representam uma ideia, como disse outro condenado, e servirão de exemplo para os eleitores insatisfeitos com os resultados do próximo pleito.
Ao pesar a mão dessa forma, o STF se colocou numa posição controversa, mas, vá lá, é em nome da garantia da democracia. Se esse valor for preservado, pode ser que o sacrifício de algumas centenas de iludidos valha à pena, por mais feia que saia a foto do julgamento. Essa posição tem a seu favor o fato de que, desde as prisões, não se viu mais ninguém na rua e muito menos diante de um quartel a bradar contra o resultado eleitoral. O problema é que a rigidez contra esses indivíduos contrasta, no momento, com uma posição leniente do tribunal diante de outro risco à democracia e à República.
A revisão total e irrestrita da Operação Lava Jato pelos ministros do STF levanta uma dúvida incômoda sobre o compromisso do tribunal com a manutenção da ordem no país. Diante disso, a pegada do elefante sobre as formigas golpistas se torna ainda maior, ainda mais desproporcional. Se de fato estão preocupados com a simbologia das condenações pelos ataques de 8 de janeiro, como também destacou Barroso em sua manifestação no julgamento, os ministros do Supremo não têm como ignorar a mensagem que passam com o sepultamento simultâneo da maior operação da história do país contra a corrupção.