Além de informar uma dívida maior para o banco BV, Americanas teria listado em duplicidade suas operações de crédito no exterior
Metrópoles – Na lista de credores da Americanas, chamou a atenção a presença do Deutsche Bank, um banco alemão especializado em operações no mercado de capitais (bolsa de valores) e em financiamento ao comércio exterior.
Com uma dívida de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5 bilhões), o Deutsche ultrapassou os bancos brasileiros e assumiu o posto de maior credor individual da Americanas.
Apesar de ser o maior credor, o banco alemão logo veio a público dizer que não tem exposição à dívida da Americanas. “O Deutsche Bank não foi afetado, pois não tem empréstimo nem qualquer exposição de crédito junto à empresa em questão”, disse a instituição, em nota.
Logo a confusão foi esclarecida. Na verdade, o Deustsche tem a custódia de títulos de dívida da Americanas (chamados de bonds) emitidos nos últimos anos e negociados no exterior.
O banco não é credor direto da varejista, porque se ela não pagar tais bonds não é o Deutsche que ficará com o mico. Os donos verdadeiros dos títulos estrangeiros são bancos, fundos de investimento e investidores com contas no exterior. Nas últimas semanas, até fundos abutres aproveitaram que os bonds estavam sendo ofertados no mercado com desconto de até 90% para entrar na lista credores da Americanas.
“Como os títulos estão espalhados no mercado, a Americanas informou a dívida em nome do Deutsche, que é o trustee (custodiante) dos bonds”, diz um advogados especializado em processos de recuperação judicial no exterior.
Listagem duplicada
Por outro lado, chamou a atenção do especialista o fato de a Americanas ter listado esse passivo de US$ 1 bilhão de diferentes formas na lista de credores.
Além da dívida em nome do Deutsche, a Americanas listou passivos de R$ 3,5 bilhões em nome da JSM, empresa responsável por emitir os títulos de crédito da Americanas no exterior, e R$ 3,2 bilhões em nome da B2W Lux, representante internacional da antiga B2W, empresa que foi integrada à operação das Lojas Americanas em 2021.
Segundo o advogado, possivelmente as três coisas são uma só. Ou seja: a emissão de bonds da Americanas foi registrada na lista de credores tanto do ponto de vista dos emissores da dívida quanto dos custodiantes.
Seria uma listagem em duplicidade, capaz de “inflar” o passivo total de mais de R$ 40 bilhões informado pela empresa para a 4ª Vara Empresarial, responsável por aprovar o pedido de recuperação judicial da Americanas. Não é usual que empresas em reestruturação informem dívidas dessa forma, dizem especialistas ouvidos pelo Metrópoles.
“Quanto pior o cenário, melhor para o devedor. É mais fácil convencer a Justiça sobre a necessidade de reestruturação da dívida”, define o especialista, que pediu para não ser identificado.
Dívida do BV
As listas de credores em processos de recuperação judicial podem e devem ser alteradas, em caso de informações incorretas. É comum que os próprios credores solicitem ajustes para mais ou menos nos valores listados, ou até que peçam a habilitação de terceiros para receber a dívida.
Foi o que aconteceu com o Banco Votorantim, o BV. O banco apareceu na primeira lista de credores da Americanas com um crédito a receber da varejista de mais de R$ 2 bilhões, valor muito representativo para um banco médio, como o BV.
O banco também veio a público para informar que não emprestou tudo isso para a Americanas. A instituição informou, em nota, que emitiu Certificados de Crédito Bancário (CCB) em nome da varejista, mas não é mais detentor desses títulos.
A dívida oficial da Americanas com o BV estaria em R$ 200 milhões, ou 10 vezes menos do que a empresa informou. Os títulos emitidos pelo Votorantim estariam, agora, em fundos da gestora de investimentos do Itaú. Os bancos pediram à Americanas um ajuste na lista dos credores.
“Para uma empresa em posição pré-falimentar, vale a estratégia de deixar os credores preocupados, para que eles aceitem um desconto maior no pagamento das dívidas”, critica um jurista.