Saída de Mario Draghi deve culminar em eleições antecipadas em setembro ou outubro
O Globo – O primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, renunciou nesta quinta-feira, um dia depois de ser abandonado por partidos da coalizão de unidade nacional que comandava há 17 meses durante um voto de confiança no Senado. Afetada pela ameaça de recessão que ronda a Europa, a Itália agora se vê diante de uma crise política que deve culminar em eleições antecipadas na primeira quinzena de outubro.
O tecnocrata e ex-presidente do Banco Central Europeu anunciou sua decisão ao presidente Sergio Mattarella em uma reunião nesta manhã, de acordo com um comunicado emitido pelo Palácio do Quirinal, sede da Presidência da República. O presidente disse ter “tomado nota” do pedido que havia negado há uma semana, mas fez um apelo para que Draghi continue a tocar o governo até que haja alguém para substituí-lo.
Mattarella vai se reunir com os chefes do Legislativo durante a tarde para definir os próximos passos. Há duas opções: dissolver o Parlamento e anunciar eleições antecipadas ou nomear um governo provisório para comandar o país até o fim da atual Legislatura, no meio do ano que vem.
O presidente já indicou não ter planos de nomear um líder provisório, e as novas eleições parecem praticamente garantidas. A imprensa italiana especula como possíveis datas 18 ou 25 de setembro, além de 2 de outubro.
Por volta das 9h15 da manhã (4h15 em Brasília), pouco antes de se reunir com Mattarella, Draghi já havia anunciado sua decisão em uma sessão na Câmara dos Deputados que debateria o mesmo voto de confiança pautado na véspera no Senado. Emocionado, disse ao plenário:
— Como vocês veem, às vezes o coração de um banqueiro também é usado — afirmou, sob vastos aplausos. — Diante da votação de ontem [no Senado], peço que a sessão seja suspensa para que eu vá ver o presidente da República e comunicá-lo de minha decisão.
O governo de Draghi reunia todos os principais partidos italianos, da esquerda à direita, com exceção do ultradireitista Irmãos da Itália. A promessa era que a ampla aliança fosse suficiente para promover a recuperação do país no pós-pandemia, destravando o potencial econômico de uma nação onde, em média, um novo governo assume a cada 14 meses.
Na semana passada, Draghi já havia apresentado sua renúncia ao presidente, depois que um dos partidos da coalizão, o antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S), se absteve na votação no Senado de um pacote de ajuda para famílias e empresas, alegando que era insuficiente. Na ocasião, porém, Mattarella não aceitou a renúncia, pedindo que o premier voltasse ao Parlamento e checasse sua base de apoio em uma moção de confiança.
O golpe fatal, porém, veio na quarta, quando os dois partidos de direita à frente das pesquisas para as eleições gerais — a Força Itália, de Silvio Berlusconi, e a Liga, de Matteo Salvini — se recusaram a votar a moção de confiança. Já o M5S declarou-se “presente e não votante”.
A abstenção permitiu que houvesse quórum para a votação, mas apenas 133 dos 315 senadores italianos estavam presentes. Noventa e oito deles endossaram Draghi, mas o apoio minoritário não resolveu a crise, pois o premier já deixara claro que só ficaria no governo se tivesse um amplo mandato.
A imprensa italiana chegara a anunciar que a renúncia aconteceria ainda na quarta, mas isso não ocorreu. Desta vez, Mattarella não tinha muita alternativa além de aceitar a saída de Draghi: sem Força Itália, Liga e M5S, ele não tem a maioria. Os dois últimos, vitoriosos nas últimas eleições gerais, em 2018, são hoje os partidos com as maiores bancadas.
Os motivos para a dissidência são diferentes: a Liga e a Força Itália têm esperança de que, caso haja eleições neste ano, possam chegar ao poder sozinhos. Um bloco governista formado pela dupla e pelo Irmãos de Itália, apontam as pesquisas, conseguiria a maioria em ambas as Casas do Legislativo se o voto fosse hoje. Já o M5S perdeu influência na política, e busca reconstruir sua identidade, com clamores públicos por maiores gastos sociais.
Na última semana, houve uma série de clamores públicos pela permanência de Draghi e por alguma estabilidade em um momento particularmente conturbado. Em junho, a inflação no país chegou a 8%, o maior nível desde 1986, cenário complicado pela perspectiva de recessão na Europa. A necessidade de aprovar reformas para ter acesso aos € 200 bilhões (R$ 1,1 trilhão) do fundo da União Europeia para a retomada pós-pandemia também é um desafio.
De acordo com uma pesquisa divulgada na semana passada pelo jornal La Stampa, apenas três em cada dez italianos querem eleições. A capa do jornal La Repubblica, um dos principais do país, estampava a manchete “Itália traída”, enquanto o concorrente La Stampa escreveu a palavra “vergonha” em página inteira.
Todos os planos de reforma, incluindo os que almejam controlar a dívida pública de 150% do PIB, devem ser escanteados diante da perspectiva de novas eleições, assim como as deliberações sobre o Orçamento italiano para 2023. Os debates geralmente ocupam boa parte do outono no Hemisfério Norte, e eleições neste mesmo período são sem precedentes na História recente italiana.
Os próximos meses, disse na quarta o Comissário Econômico da União Europeia, Paolo Gentiolini, podem ser “uma tempestade perfeita” para a Península Itálica. Os sinais de incerteza já eram evidentes na quarta-feira, quando a bolsa de Milão fechou com queda de 1,6%.
Outra política que fica em xeque é o apoio à Ucrânia diante da invasão russa. Draghi defende o envio de armas para Kiev, mas Giuseppe Conte, o ex-premier que lidera o M5S, rompeu com o governo no mês passado por ser contra a posição oficial e defender o foco em negociações de paz.