ESTADÃO | A mudança feita no relatório do novo arcabouço fiscal para o limite de gastos em 2024 é complexa, mas pode levar a um menor crescimento real (acima da inflação) de despesas, segundo o economista-chefe da corretora Warren Rena, Felipe Salto. O texto-base foi aprovado na Câmara por 372 votos a 108.
Na sua avaliação, as outras alterações feitas pelo relator Cláudio Cajado (PP-BA) são positivas na direção de aprimorar os mecanismos de ajuste fiscal de médio prazo. Salto prevê que, com a exclusão da aplicação automática do limite superior do intervalo de crescimento de gastos (2,5% acima da inflação), o resultado poderá ser, na prática, uma taxa de variação real que se situará entre 1,1% e 2,5%.
“A aposta implícita nessa regra complexa, vale dizer, é que a dinâmica de receitas de 2024 deverá permitir uma maior expansão de gastos, que não estaria avalizada na presença apenas da regra geral contida no texto original do projeto”, diz.
Para ele, pode estar sendo criado um regra com um teor bastante “casuístico” para o primeiro ano de aplicação do arcabouço fiscal, com o objetivo prático de produzir uma taxa real de crescimento das despesas elevada, que possa se aproximar dos 2,5%.
Veja as mudanças aprovadas destacadas pelo economista da Warren, ex-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo.
1. Fundeb
Os gastos da União referentes à complementação do Fundeb (fundo para a educação básica) continuam dentro do limite de gastos. A diferença é que o aumento já contratado do Fundeb para os próximos anos elevará o limite para gastar, permitindo que essa elevação não ocupe o espaço de outras despesas.
2. Bloqueio preventivo de investimentos
Possibilidade de contingenciamento (bloqueio preventivo de recursos) de investimentos. Abre-se uma exceção para as regras de contingenciamento. No caso de iminente rompimento da meta fiscal, os investimentos poderão ser cortados na mesma proporção que as demais despesas discricionárias (não obrigatórias, como investimentos e custeio da máquina pública). Esse mecanismo aumenta o grau de liberdade para ajustes nos gastos quando houver risco de romper a meta.
3. Reajuste dos investimentos
Artigo altera a proposta anterior, de correção dos investimentos pela inflação a partir do patamar do Orçamento de 2023. Agora, os investimentos terão de corresponder a 0,6% do PIB estimado no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para o respectivo ano. Pelos cálculos da equipe da Warren, a nova regra, quando comparada à anterior, abre R$ 14,9 bilhões nas despesas discricionárias, aumentando o espaço para fazer resultado primário (saldo entre receitas e despesas, tirando os juros da dívida) em relação a texto anterior. Isso porque o valor de 2023 equivaleria a cerca de R$ 78,8 bilhões. Já o 0,6% do PIB projetado representaria R$ 63,9 bilhões.
4. Regra de dívida
O texto aprovado obriga que, em maio, setembro e fevereiro, na apresentação dos resultados fiscais em Comissão, no Congresso Nacional, o ministro da Fazenda evidencie os números da dívida pública e o cumprimento da trajetória estipulada. O mesmo se aplica aos Estados.
5. Regra ‘antipedalada’
Dispositivo proíbe que, por meio da Lei de Diretrizes Orçamentárias, excluam-se despesas do cálculo da meta de resultado primário (receitas menos despesas, sem contar os juros da dívida). A prática já foi largamente usada no passado recente e colaborou para distorcer os mecanismos originais do sistema de metas de resultado primário adotado desde 1999 no Brasil. Essa regra foi apelidada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) de “emenda antipedalada”, numa referência às manobras feitas no governo Dilma Rousseff para melhorar artificialmente o resultado das contas do governo.
6. Limite de gastos para 2024
A nova regra exclui a aplicação automática do topo do limite superior do crescimento de gastos (2,5% acima da inflação) em 2024, que permitia ao governo gastar mais na largada do arcabouço. Pela nova versão do texto, o governo poderá encaminhar ao Congresso o projeto de lei orçamentária de 2024, em agosto, fixando o crescimento das despesas a 70% da variação da receita no acumulado de 12 meses até junho deste ano, dentro do intervalo de 0,6% e 2,5% acima da inflação. Em maio de 2024, porém, o governo poderá aumentar o espaço para novas despesas com base numa projeção de aumento de receita até o fim do ano que vem em relação à arrecadação efetiva deste ano. A diferença, se positiva, poderá garantir espaço adicional para novas despesas por meio de crédito suplementar do Orçamento. Caso essa projeção não se realize, o governo terá que “devolver” o excedente no Orçamento de 2025.