Algumas das propostas estão sendo questionadas no Supremo Tribunal Federal
O Globo – O presidente Jair Bolsonaro foi o que mais aprovou emendas à Constituição Federal em um único mandato desde a promulgação da Carta Magna, em 1988. Considerando a PEC Eleitoral aprovada esta semana pela Câmara, são 26 alterações em apenas três anos e meio de governo.
Grande parte das propostas aprovadas aumenta gastos, como são os casos das PECs Eleitoral e da proposta chamada de PEC dos Precatórios, que limitou o pagamento de dívidas do governo e, no mesmo texto, aumentou o teto de gastos (norma criada para travar as despesas federais). Embora tenham tido sucesso no Congresso, as propostas são contestadas no Supremo Tribunal Federal (STF).
O número de Bolsonaro supera as 19 alterações feitas durante o segundo governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), entre 1998 e 2022, e as 17 alterações na Constituição durante o primeiro governo Dilma Rousseff (PT), de 2010 a 2014.
No caso do governo Bolsonaro, as duas propostas de emenda à Constituição (PECs) aprovadas em 2021, que alteravam o pagamento dos precatórios, estão sendo questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF). Ambas as contestações estão sob relatoria da ministra Rosa Weber.
Em dezembro do ano passado, o PDT entrou com uma ação no STF pedindo a invalidação completa de uma das PECs dos Precatórios, que previa, entre outras coisas, que o índice de correção dos precatórios seria a taxa Selic.
Segundo o partido, a emenda seria inconstitucional porque viola o direito adquirido por mudar as regras das dívidas já inscritas no Orçamento deste ano.
No mês seguinte, entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) entraram com uma ação contra as duas propostas.
‘Atalho legislativo’
As associações questionam um dos pontos principais da proposta: a imposição do limite para pagamentos entre 2022 e 2026. Segundo elas, a regra viola o princípio da separação dos poderes por limitar o pagamento de uma dívida reconhecida pela Justiça.
A PEC Eleitoral, que viabiliza gastos de R$ 41,2 bilhões, já foi questionada no STF mesmo antes da aprovação. O partido Novo entrou com uma ação para suspender a tramitação, pedido posteriormente negado pelo ministro André Mendonça.
Além disso, a proposta pode ser questionada novamente, porque especialistas veem quebra de princípios constitucionais e sobreposição de regras fiscais, eleitorais e de governança.
Membros de tribunais superiores, como o STF e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também veem riscos. No entanto, O GLOBO já mostrou que ministros do Supremo avaliam que a votação expressiva no Senado dá amparo à medida.
Para Rodrigo Kanayama, advogado e professor do Departamento de Direito Público da Universidade Federal do Paraná, o governo descobriu um “atalho legislativo” nas emendas constitucionais, que vem utilizando para “pacotões”, aprovando legislações que deveriam ser discutidas em leis ordinárias ou complementares.
— É muito mais fácil agora você criar exceções na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), por exemplo, por meio de uma emenda constitucional do que alterar a própria Lei de Responsabilidade Fiscal. Pra mim, me parece que é muito lastimável para o governo agir dessa forma, ou seja, tratando a Constituição como se fosse uma mera lei ordinária ou complementar — disse.
Para o constitucionalista e advogado eleitoral Marcellus Ferreira Pinto, a Constituição Federal é um instrumento dinâmico, que reflete as aspirações políticas do país. Por essa razão, é um pacto que precisa ser atualizado a depender da conjuntura vigente.
— Nesse contexto, mais importante do que a quantidade é a qualidade das alterações propostas, de forma que possam refletir o desejo da população — ressaltou.