Trava nos recursos, num total de R$ 8,1 bilhões, gerou mal-estar e reclamações por parte do comando do Legislativo
Folha de São Paulo – A cúpula do Congresso recebeu a sinalização do Palácio do Planalto de que as emendas parlamentares bloqueadas pelo Ministério da Economia em julho serão liberadas após as eleições.
A indicação foi dada depois de um bloqueio adicional nesses recursos, que servem de moeda de troca em negociações políticas, gerar mal-estar e deflagrar reclamações por parte do comando do Legislativo.
O plano da Câmara é seguir com as negociações dos R$ 4 bilhões em emendas que ainda faltam ser distribuídos a deputados aliados de Jair Bolsonaro (PL) e do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
Lira avisou a líderes partidários e a integrantes dos principais partidos alinhados ao chefe do Executivo, como PP, PL e Republicanos, que as emendas estão garantidas até o fim do ano.
Como mostrou a Folha, o presidente da Câmara espera, com as emendas, ter poder de fogo para angariar apoio e emplacar sua reeleição ao comando da Casa em 2023.
Na semana passada, a equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) ampliou o bloqueio das emendas, depois de uma revisão das despesas e das receitas do Orçamento. Apesar de seu custo político, a medida evitou um estrangulamento ainda maior dos gastos dos ministérios.
A reserva original para as chamadas emendas de relator e de comissão era de R$ 17,2 bilhões, mas o governo já havia congelado R$ 1,7 bilhão em março. Agora, o total travado subiu a R$ 8,1 bilhões.
O Ministério da Economia evitou detalhar quanto da nova tesourada recaiu sobre as emendas de relator justamente devido à controvérsia política. Mas, de acordo com técnicos, só o bloqueio mais recente, de julho, ficou em cerca de R$ 5,8 bilhões. Ao todo, neste ano, só as emendas de relator somam R$ 16,5 bilhões. A verba é controlada por Lira, pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e pelo relator do Orçamento de 2022, deputado Hugo Leal (PSD-RJ).
As emendas de relator são distribuídas a deputados e senadores com base em critérios políticos, por darem sustentação ao governo no Congresso ou estarem ligados às presidências da Câmara e do Senado. Assim, nomes mais influentes conseguem destinar mais verbas a projetos em suas bases eleitorais.
O bloqueio feito por Guedes afeta emendas que já foram negociadas e prometidas a deputados e senadores e também trava recursos que ainda serão divididos no Congresso. Uma primeira parcela do bloqueio recaiu sobre R$ 4 bilhões em emendas a serem repartidos entre os congressistas aliados.
Quase todo o dinheiro restante está nas mãos de Lira. A cifra, segundo pessoas que participam das negociações, gira em torno de R$ 3,5 bilhões. Alguns deles afirmam que toda a fatia pertence a ele –cumprindo acordo informal costurado entre a cúpula do Congresso.
Lira tem pretensão de concorrer à reeleição da Câmara em fevereiro do ano que vem. A distribuição dessa verba em emendas deu capital político a ele para ter amplo apoio no plenário da Casa e colocá-lo entre os favoritos na disputa pelo alto cargo no Legislativo. Líderes e técnicos do Congresso dizem que o bloqueio feito pelo Ministério da Economia não impede o avanço das negociações dessa verba.
Quando a costura política é feita, o relator do Orçamento envia um comunicado aos ministérios pedindo que parte do dinheiro reservado para emendas seja usado –ele também detalha qual a finalidade e o município a ser beneficiado. Essa parte do processo, chamada de indicação do beneficiário da emenda, não está travada pelo ato do time de Guedes.
A equipe que participa dessas tratativas quer que esses comunicados sejam repassados aos ministérios com tempo suficiente para que as emendas sejam analisadas e executadas. Portanto, a expectativa é a de que novas negociações ocorram durante o período eleitoral, apesar de os principais atores –Lira e Leal– estarem em plena corrida por um novo mandato na Câmara.
Nesta semana, o Congresso retomou os trabalhos e, mesmo com baixo quórum em Brasília, Lira colocou em votação –e conseguiu aprovar– projetos de interesse do Palácio do Planalto. Ele autorizou que as votações fossem remotas. A ausência de deputados na Câmara se deve principalmente às articulações eleitorais e ao fim do prazo para convenções partidárias, que dão início ao período da campanha.
Líderes governistas disseram que, apesar do mal-estar inicial, confiam em Lira e na sinalização do Planalto de que as emendas serão desbloqueadas após as eleições.
Uma segunda parcela do congelamento atingiu outra fatia de aproximadamente R$ 4 bilhões em emendas de relator que já foram negociadas, mas não chegaram a ter sua execução iniciada pelo governo. Ou seja, não houve nem sequer contrato assinado para que a verba seja liberada. Isso ocorre porque algumas emendas para obras e compra de maquinário, por exemplo, têm processo mais lento na análise da pasta.
Como esse processo já se prolongaria durante a campanha eleitoral, líderes entenderam que o bloqueio de emendas pouco afetaria os acordos feitos no Congresso. Dos R$ 16,5 bilhões em emendas de relator, R$ 8,4 bilhões já foram empenhados até o momento. Ou seja, o recurso do Orçamento já foi reservado a uma finalidade específica –por exemplo, quando um contrato é assinado, mas ainda não foi quitado.
Essa verba se concentra em recursos para saúde e assistência social. A liberação desse dinheiro é feita direto aos municípios ou aos estados, movimentação mais ágil do que um processo licitatório. Por isso, os primeiros lotes de negociações priorizaram essas áreas.
Os outros R$ 8 bilhões —dos quais metade já foi negociada— estão distribuídos em ministérios que realizam obras e compras pelo país, como o da Agricultura, que adquire tratores, e o de Desenvolvimento Regional, que constrói adutoras e realiza pavimentação, entre outras ações de infraestrutura.
No fim de 2021, a falta de verba para emendas deflagrou uma crise com o Republicanos, partido da base do governo, e levou à fritura da então ministra-chefe da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, responsável pela articulação política. Parlamentares esperavam receber R$ 600 milhões e diziam ter recebido a promessa do Ministério da Economia, mas no momento decisivo os recursos não foram liberados.
A crise foi o pano de fundo para a decisão do presidente Bolsonaro de dividir a responsabilidade pela execução do Orçamento de 2022 entre o Ministério da Economia e a Casa Civil, deixando a caneta também nas mãos de Ciro Nogueira (PP), cacique do centrão.