Documento entregue a Lula lista falhas do Itamaraty bolsonarista e afirma que isolar Venezuela foi ‘erro estratégico’
Folha de São Paulo – O relatório final do gabinete do governo de transição afirma que o governo de Jair Bolsonaro (PL) cometeu um “erro estratégico” ao isolar a Venezuela e transformou “a América do Sul em palco da disputa geopolítica entre EUA, Rússia e China.”
Segundo o documento obtido pela Folha, que foi encaminhado aos futuros ministros, ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), o governo Bolsonaro desestimulou a integração do Brasil com seus países vizinhos, o que resultou no “desmonte da Unasul, na saída da Celac e no crescimento de forças favoráveis ao desmantelamento do Mercosul enquanto união aduaneira.”
O futuro chanceler, Mauro Vieira, já afirmou que a reaproximação com os países da América Latina será prioridade do Itamaraty no governo Lula. O Brasil abandonou a Celac na gestão do ex-chanceler Ernesto Araújo e agora voltará à organização, que deve se tornar um dos principais foros para a política externa brasileira, ao lado da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Vieira disse também que haverá restabelecimento de relações com a Venezuela.
O futuro governo Lula, assim como os governos petistas anteriores, acredita ser importante manter os “canais de interlocução” com o chavismo e com o ditador Nicolás Maduro para ajudar na pacificação política do país. “De catalisador de processos de integração, o país passou a ser fator de instabilidade regional”, diz o relatório.
O documento também critica “a participação desastrada em alianças ultraconservadoras” —o Itamaraty bolsonarista se alinhou a países como Polônia e Hungria, em uma aliança “cristã ocidental” em foros multilaterais em questões como saúde reprodutiva e direitos das mulheres.
O governo de transição afirma que o Brasil, ao adotar posições negacionistas, “perdeu protagonismo em temas ambientais, desafiou esforços de combate à pandemia e promoveu visão dos direitos humanos inconsistente com sua ordem jurídica”.
O ex-chanceler Ernesto Araújo era cético em relação à existência dos mudanças climáticas e achava se tratar de mais uma estratégia do globalismo para interferir na soberania das nações. Ele usou, por exemplo, o neologismo “comunavírus” para se referir a um suposto “vírus ideológico” que se sobrepõe ao coronavírus e faz “despertar para o pesadelo comunista”.
Bolsonaro, também um negacionista da Covid, conduziu o Brasil a uma guinada brusca em seus posicionamentos na ONU, deixando de condenar, por exemplo, os assentamentos israelenses e o embargo americano a Cuba.
O grupo de trabalho encerra seu diagnóstico alertando para a dívida do Brasil com organizações internacionais, atualmente em R$ 5,5 bilhões. A dívida “representa grave prejuízo à imagem do país e à sua capacidade de atuação e compromete severamente sua política externa”.
“Se um valor mínimo dessa dívida não for pago ainda no atual exercício, haverá perda de voto em organizações como a ONU, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, afirma o documento.