Congresso avança mais sobre o dinheiro público do que Parlamentos de países membros da OCDE; modelo abre caminho para corrupção, afirma economista
Em um estudo do economista Marcos Mendes, para o Instituto Millenium, congressistas brasileiros interferem 20 vezes mais no Orçamento da nação do que nos países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo do qual o País quer fazer parte.
Segundo o estudo, as emendas parlamentares representam 24% das despesas verbas dos ministérios do governo e no investimento deste ano, os gastos discricionários. Esses gastos passam pelos não obrigatórios, além da manutenção de órgãos públicos, pagamento de conta de luz, fiscalização ambiental e investimentos em escolas e estradas.
Para Mendes, em seu estudo, este número mostra a falta de planejamento do governo brasileiro em todos os níveis, abrindo, também, caminho para uma maior corrupção, que há décadas assola o Brasil.
No Brasil, os parlamentares alteram a proposta encaminhada pelo Executivo determinando o envio de verbas para cidades e obras específicas (uma praça, por exemplo). Na América Latina, esse nível de detalhamento só ocorre no Chile, onde os parlamentares também enviam recursos para obras em locais específicos, conforme pesquisa da OCDE citada no estudo. Só que lá o Congresso não pode aumentar as despesas, apenas remanejá-las.
“No Brasil, o detalhamento gera uma fragmentação de recursos muito grande e impede o planejamento. O interesse eleitoral do parlamentar não necessariamente é o interesse do município. Ele pode ter um interesse pessoal, pode ter um conluio e estar interessado em favorecer um fornecedor, e não o município em si”, afirma Mendes.
O comando do Congresso vem defendendo a ampliação das emendas parlamentares como forma legítima. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que o “ Orçamento é público e sua elaboração e destinação, transparentes”. Já o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL) não quis se manifestar.
Com todas essas alterações, o chamado Centrão acabou ganhando mais poder. Até o presidente Jair Bolsonaro afirmou que as emendas ajudavam a “acalmar” o Congresso Nacional.
“O modelo não só abre espaço, como incentiva a corrupção”, diz Mendes, que também foi idealizador do teto de gastos – regra que limita o crescimento das despesas à inflação. “As emendas engessam o Orçamento e desequilibram a balança porque os parlamentares ficam com um poder muito grande de gastar sem a responsabilidade com a estabilidade fiscal, que cai nas costas do presidente e do ministro da Economia.”
Além de mexer nas regras, a mudança se traduziu em aumento do valor das emendas. O que em 2014 representava R$ 8,7 bilhões nas contas públicas se transformou em R$ 36 bilhões neste ano.
Nos últimos quatro anos, o Congresso aprovou em média 7.733 emendas parlamentares. Em 2022, 3.563 indicações – mais da metade do total – foram direcionadas para localidades específicas (município ou Estado), não para ações de abrangência nacional.
Nesse mesmo critério de apuração, os Estados Unidos aprovaram 285 emendas em 2021, o que representa apenas 2,3% da despesa total. “O que o Brasil faz é uma aberração e acaba comprometendo muito a questão da democracia. É preciso acabar com as emendas ou diminuir muito. O Executivo deveria fazer essa alocação e o parlamentar ser o responsável por fiscalizar”, afirma a diretora executiva do Instituto Millenium, Marina Helena Santos.
Mendes sugere o fim das verbas individuais, de bancada e as de relator. Ele defende as emendas de comissões, onde deputados e senadores só podem indicar recursos para ações de abrangência nacional e para as áreas que representam, como saúde, educação e segurança pública, o que aumentaria a qualidade dos repasses.
A proposta foi formalmente apresentada pelos consultores da Câmara Hélio Tollini e Paulo Bijos em 2021, mas está na contramão do que o Congresso tem feito na prática. “Vai ser muito difícil reverter isso”, diz.