Doença de paciente norte-americana é controlada com o uso de nova técnica, que ainda não está pronta para uso geral
THE NEW YORK TIMES – Pesquisadores conseguiram domar o câncer de pâncreas em uma mulher cuja doença estava muito avançada e depois que outras formas de tratamento falharam.
O experimento que a ajudou é complexo e altamente personalizado, e não é imediatamente aplicável à maioria dos pacientes de câncer. Outra paciente com tumor no pâncreas que recebeu o mesmo tratamento não respondeu e morreu da doença.
No entanto, a importante revista The New England Journal of Medicine publicou um relatório do estudo na quarta-feira (1º).
O doutor Eric Rubin, editor-chefe da revista, chamou o experimento de prova de conceito de “um passo importante no caminho” da elaboração de tratamentos semelhantes que podem ser aplicáveis a câncer de pulmão, cólon e outros.
O experimento envolveu a reprogramação genética das células T da paciente, um tipo de glóbulo branco do sistema imunológico, para que pudessem reconhecer e matar células cancerígenas. A técnica foi desenvolvida pelos doutores Eric Tran e Rom Leidner, do Instituto de Pesquisa Earle A. Chiles, divisão do Instituto do Câncer Providence, em Portland, no Oregon (EUA).
Para transformar as células T de uma paciente com câncer em uma droga viva, os pesquisadores tiveram que superar sérios desafios. O câncer de pâncreas é um dos mais difíceis de tratar. Embora novos tratamentos tenham permitido que pacientes com outros tipos de câncer vivam mais e tenham melhor qualidade de vida, o câncer de pâncreas resistiu obstinadamente a esses avanços. Menos de 10% dos pacientes vivem mais de cinco anos.
Para a maioria dos pacientes, disse o doutor William Jarnagin, especialista em câncer de pâncreas do Centro de Câncer Memorial Sloan Kettering, que não participou do experimento atual, o câncer já se espalhou no momento em que é descoberto. Mesmo quando os tumores são localizados no pâncreas e removidos cirurgicamente, cerca de 85% dos pacientes apresentam recorrências.
Nossos tratamentos não estão funcionando”, disse Jarnagin.
A técnica descrita no novo artigo “não está pronta para uso”, disse o doutor Tran. Ele acrescentou que “são necessárias instalações e conhecimentos especializados para fabricar as células T”.
Mas, segundo Leidner, “a beleza disso” é que as células T reprogramadas só atacam as células cancerígenas. Outras células são deixadas em paz.
O primeiro problema em tentar atrair as células T para matar as células cancerosas é que as proteínas mutantes que promovem o crescimento do câncer estão escondidas dentro das células.
Entretanto, há uma dica para o sistema imunológico de que as células cancerosas são anormais. Elas contêm fragmentos de proteínas cancerígenas mutantes em sua superfície, “como migalhas de pão moleculares”, disse Leidner. O desafio era fazer com que as células T “vissem” essas migalhas.
A solução empregada foi coletar as próprias células T da paciente e modificá-las geneticamente no laboratório para reconhecer e atacar esses pedaços de proteínas mutantes. Em seguida, as células T foram infundidas de volta na paciente.
Neste caso, o alvo foi a proteína mutada KRAS, envolvida em 25% de todos os cânceres, incluindo cerca de 95% dos cânceres de pâncreas, 40% dos cânceres de cólon e um terço dos de pulmão.
“As pessoas vêm tentando atingir a KRAS imunologicamente há mais de 20 anos”, disse o doutor Robert Vonderheide, especialista em câncer pancreático e diretor do Centro de Câncer Abramson na Universidade da Pensilvânia.
O gene KRAS mutado “é um alvo tão bom”, disse Vonderheide, que matar células cancerígenas atacando células com mutações KRAS tem “implicações importantes”.
Mas o resultado encorajador vem com algumas ressalvas reais. Para começar, não está claro por que a outra paciente que morreu não respondeu à terapia.
A doutora Elizabeth Jaffee, especialista em câncer pancreático da Johns Hopkins Medicine, também destacou a localização das metástases da paciente, ou para onde o câncer se espalhou. As metástases surgiram apenas nos pulmões da paciente. A maioria dos pacientes com câncer de pâncreas tem metástases no fígado, que são mais difíceis de tratar.
“Eu gostaria de ver as lesões hepáticas desaparecerem”, disse Jaffee.
Kathy Wilkes, a paciente que foi tratada com sucesso, tem 71 anos e mora em Ormond-by-the-Sea, na Flórida. É muito cedo para saber se o câncer voltará. O de Wilkes era grave.
“Esta senhora teve todos os tratamentos disponíveis e estavam falhando”, disse Jarnagin, que não tratou Wilkes, mas revisou seu caso. Normalmente, nesses casos, o câncer desenvolve resistência a quaisquer tratamentos adicionais.
“Para a maioria nessa situação, o câncer vai vencer —em breve”, disse ele.
Wilkes notou pela primeira vez sintomas que mais tarde foram atribuídos ao câncer de pâncreas em 2015. Ela estava cansada, letárgica e tinha crises de dor intensa. No início, os tumores não apareciam nos exames. Mas no início de 2018, um tumor apareceu —uma massa de 3,5 centímetros na cabeça de seu pâncreas.
Ela fez quimioterapia seguida de uma operação extenuante —o procedimento de Whipple—, em que os cirurgiões removem a cabeça do pâncreas, a primeira parte do intestino delgado, a vesícula biliar e o ducto biliar. Então ela fez mais quimioterapia, seguida de radiação e ainda mais quimioterapia.
O câncer havia desaparecido do pâncreas, mas surgiram nódulos em seus pulmões — metástases. A quimioterapia e a radiação continuaram ao longo de 2018.
“Eu simplesmente aguentei tudo. Certamente não estava pronta para morrer”, disse Wilkes. “Eu tinha essa voz interior que dizia: ‘Você pode vencer este aqui.'”
Ela entrou em um ensaio clínico de imunoterapia em Pittsburgh em 2020. Seus tumores diminuíram no início, mas depois voltaram a crescer. Teve os genes de suas metástases pulmonares sequenciados e, quando soube que estavam sendo impulsionados por uma mutação KRAS específica, começou a procurar ensaios clínicos.
Encontrou Tran, um líder no uso de células T para atacar mutações de câncer, e ligou para ele. Viajar para o Oregon para tratamento não era problema, disse ela. Ela morava no estado e tinha família lá.
Em 14 de junho de 2021, seu tratamento começou. Um mês depois, seus tumores pulmonares diminuíram 67% e eram pequenos demais para biópsia. Em setembro, pareciam ter encolhido mais. Ela fez outro exame na semana passada, em 25 de maio. As manchas em seus pulmões não haviam mudado. Talvez agora consistam em células mortas.
“Estamos cautelosamente otimistas”, afirmou Wilkes.
Ela se sente ótima, como seu antigo eu, acrescentou.