Estadão | No Brasil e no mundo, 2023 será lembrado por eventos climáticos extremos. A intensificação do aquecimento do planeta provocado pela ação do homem, por meio da emissão de gases do efeito estufa, aumenta a frequência e a força de temporais, enchentes, ciclones e ondas de calor.
Além disso, a Terra viu retornar o El Niño, que teve início em junho. O fenômeno é caracterizado pela atípica da temperatura das águas do Oceano Pacífico. Isso influencia o clima global, com impactos na temporada de furacões no Atlântico e no ciclo de chuvas na América do Sul, por exemplo. O El Niño termina só em 2024 e ainda deve causar estragos nos próximos meses, dizem os especialistas.
Essa combinação fez com que 2023, segundo as Nações Unidas (ONU), já possa ser considerado o ano mais quente já registrado na história – até agora. “De janeiro a novembro, a temperatura média global para 2023 é a mais alta já registrada, 1,46°C acima da média pré-industrial do período de 1850-1900 e 0,13°C acima da média de onze meses para 2016, o ano mais quente que já havia sido registrado”, aponta o observatório europeu Copernicus.
No Brasil, os efeitos foram sentidos em múltiplas tragédias. Em fevereiro, uma tempestade recorde deixou dezenas de mortos em São Sebastião, no litoral de São Paulo. O evento foi considerado sem precedentes no que diz respeito ao volume de precipitação, que atingiu 600 milímetros.
A recorrência de ciclones extratropicais no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina chamou atenção no segundo semestre. Em setembro, o mais intenso deles deixou um rastro de estragos e a marca de 50 mortes. O fenômeno voltaria ao Estado nos meses seguintes, renovando os prejuízos e transtornos aos moradores.
Em outubro e novembro, a preocupação em diferentes regiões do Centro-Sul foi com as ondas de calor. No início do mês passado, um alerta chamou atenção para as altas temperaturas em mais de 2,5 mil cidades do País. Em parte delas, o termômetro marcou mais de 40ºC; a sensação térmica, por sua vez, superou 50ºC no Rio.
Enquanto isso no Norte, a Seca se intensificava. Rios amazônicos esvaziaram, atrapalhando a navegação e a distribuição de alimentos e remédios pelo Estado, que depende do transporte fluvial. Em Manaus, o Rio Negro atingiu seu menor nível em mais de um século de medições.
Tanto no Amazonas quanto no Pantanal, o número de queimadas bateu recorde. O próprio governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) admitiu que a estrutura de combate ao fogo é insuficiente diante da rapidez com que as chamas têm se espalhado nos dois biomas.
Não foi só no Brasil. No exterior, os efeitos mais expressivos se deram no verão do Hemisfério Norte, quando ondas de calor assustaram Espanha, Croácia e Grécia, dentre outros países. Nos Estados Unidos e Canadá, a preocupação girou em torno dos incêndios florestais cuja fumaça chegou a colocar cidades como Nova York e Washington em alerta.
A Líbia foi destruída por enchentes – China, Índia e Bangladesh também sofreram com a força das inundações. Difícil apontar uma região do mapa-múndi que tenha escapado do desequilíbrio do clima.
Em 2024, alertam especialistas e órgãos de monitoramento, os efeitos do El Niño devem ser sentidos ao longo do 1º semestre. O verão deve ter temperaturas acima da média e chuvas maior quantidade de chuvas em algumas partes do País.
Segundo Marília Nascimento, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, não é descartado o risco “de pancadas de chuvas intensas que atinjam essa faixa que engloba a Região Centro-Oeste e o Sudeste e uma área ao norte da Região Sul”.
Para o ano que vem, as previsões já apontam para o risco de a média de temperatura superar o nível 1,5°C acima do patamar pré-industrial (meados do século 19). “Pela primeira vez, prevemos uma probabilidade razoável de o ano exceder temporariamente 1,5°C”, afirmou Nick Dunstone do Met Office, serviço britânico de previsões meteorológicas.
Segundo o Acordo de Paris, assinado em 2015 por quase 200 países para frear o aquecimento global, superar a marca de 1,5ºC na elevação das temperaturas aumenta significativamente os riscos de catástrofes naturais.
Com o agravamento das mudanças climáticas, os cientistas preveem desastres mais recorrentes nas próximas décadas. “Independentemente do El Niño, que contribui, o aquecimento global é o fator principal e continua escalando”, destaca a climatologista Karina Lima, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O documento final da Cúpula do Clima da ONU, realizada em Dubai este mês, terminou com uma sinalização à redução do uso de combustíveis fósseis. Após grande resistência das nações ricas e dos grandes exportadores de petróleo, foi selado um acordo para ‘transição’ de combustíveis fósseis, mas sem menção direta à eliminação desses poluentes, como reivindicava uma parte dos países.
O aceno foi na direção correta, mas veio atrasado e agora é insuficiente, ressaltam os cientistas. Segundo Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, o acordo é inédito, mas “totalmente em desacordo com a realidade de países que projetam aumento em suas fontes sujas de energia 100% maior do que o permitido pelos limites do Acordo de Paris”.
Antonio Guterres, secretário geral das Nações Unidas, resume o problema para a humanidade: “A era da ebulição global começou.”