Delegações se reúnem em Caracas depois de mais de três anos de suspensão de conversas e usam tom otimista
Folha de São Paulo – Mais de três anos após um ataque a uma escola de cadetes em Santander, no qual 22 estudantes morreram e mais de 70 pessoas ficaram feridas, as complexas negociações entre o Estado colombiano e a guerrilha ELN (Exército de Libertação Nacional) voltaram a acontecer nesta segunda (21), em Caracas.
Às 16h locais, 17h em Brasília, as delegações se reuniram, sentadas à mesma mesa, no icônico hotel Humboldt —lugar que passou anos abandonado e foi restaurado para atender a chavistas ricos. A Venezuela é um país garantidor do processo, ao lado da Noruega e de Cuba.
Sob Gustavo Petro, a Colômbia recentemente retomou os laços diplomáticos com o vizinho, e a volta dos diálogos com o ELN faz parte da mesma lógica. A ideia do presidente esquerdista é que todos os envolvidos no conflito colombiano sejam ouvidos e tenham a possibilidade de cumprir penas reparatórias em troca de relatos sobre suas ações, o compromisso de não repeti-las e serviços às vítimas.
A estratégia recupera em certa medida a que havia sido adotada pelo então presidente Juan Manuel Santos, em 2016, ao estabelecer as negociações, baseadas no Equador. O político dizia acreditar que não haveria como reduzir os níveis de conflito no país apenas com a desmobilização das Farc.
O atentado à academia de polícia ao sul de Bogotá, porém, desencadeou a interrupção das conversas com o ELN, já no governo de Iván Duque —que pensava diferente do antecessor e reforçou o discurso punitivista como sinônimo de justiça. Depois da suspensão, o direitista ainda se sentiu empoderado para pedir mudanças na Justiça Reparatória imposta pelo acordo com as Farc, no que não teve êxito.
Nesta segunda, na volta dos diálogos, representaram o Estado colombiano os senadores Iván Cepeda, do Pacto Histórico (partido de Petro), e María José Pizarro; Otty Patiño, ex-militante do M-19, assim como o presidente; e José Félix Lafaurie, líder de sindicatos de produtores de gado.
A presença de Lafaurie surpreendeu apoiadores do esquerdista. Peça importante num acordo recente com o setor rural para a compra de terras para a reforma agrária, ele é um aliado novo do presidente —e enfrenta oposição até dentro de casa, pois é casado com a líder da oposição María Fernanda Cabal.
“O setor da pecuária estará presente porque o presidente entende que a saída para o conflito passa por organizarmos a questão da terra no país. Que terras serão produtivas após o fim do conflito? Como fazer delas um espaço de paz?”, afirmou ele. “O setor do agronegócio perde com a guerra, por isso estou aqui.”
Antes do embarque da comitiva a Caracas, Petro disse esperar que esse seja “o primeiro passo para concretizar a paz total”. O termo cunhado por ele denomina o ambicioso plano de realizar negociações com todos os atores armados do país, incluindo guerrilhas, dissidências, paramilitares e organizações voltadas apenas ao crime organizado e ao narcotráfico.
Um dos grandes obstáculos é que, nas últimas décadas, a mistura entre integrantes desses grupos, em algumas regiões, torna difícil identificar a área de atuação e mesmo a denominação de cada um. Quando a paz com as Farc foi alcançada, o ELN tinha 2.400 combatentes; a partir daí, juntou dissidentes e outros criminosos, para chegar a 5.000 combatentes, nas estimativas atuais.
Já paramilitares das forças chamadas de “gaitanistas”, concentradas no norte colombiano, que vinham perdendo espaço, hoje vivem um momento de reforço de armamento e pessoal, tendo tomado o controle da máfia do transporte de imigrantes pela selva de Darién. Na região da fronteira com a Venezuela, ainda atuam coletivos cubanos, dissidentes das Farc e cartéis estrangeiros —ligados até à máfia da distante Albânia—, que concorrem pelo pouco ouro que restou no degradado Arco Minero.
Considerada a última guerrilha em atividade no país, o ELN nasceu nos anos 1960 e é conhecido por ter, desde então, apego mais sistemático a ideias marxistas. Sua atuação se concentrou em sequestros, extorsões e participação no narcotráfico. O fim das Farc abriu novas rotas, facilitando a entrada da guerrilha em território venezuelano, onde hoje possui quartéis e acampamentos de treinamento.
Na reunião em Caracas, o alto comissário para a paz da Colômbia, Iván Rueda, lembrou de vítimas das quase seis décadas de conflito no país. “Estamos aqui honrando a vida, a de tantos que já não estão mais aqui —assassinados, desaparecidos”, disse.
A delegação do ELN em Caracas reúne veteranos como Eliécer Herlinto Chamorro, o “Antonio García”, que lidera a organização desde 2021, e Pablo Beltrán, segundo comandante. Os dois se reuniram com representantes do governo nas últimas semanas para definir as pautas das primeiras reuniões —que seguirão do ponto em que tinham parado. “Não podemos nos ver como inimigos, o caminho é da conciliação. Esperamos não frustrar a expectativa por mudança”, disse Beltrán.
Também integram a comitiva Aureliano Carbonell, cujo nome verdadeiro é Víctor Orlando Cubides, tido como o cérebro da guerrilha, e outros combatentes; o ELN é considerado mais descentralizado do que eram as Farc. Para permitir que estivessem todos presentes, Petro pediu ao Ministério Público que suspendesse ordens de prisão contra os guerrilheiros acusados de participar de atentados.
“Suspender esses mandados permitirá que se construa um caminho mais rápido. O objetivo final é o de cada colombiano, que o ELN deixe de ser uma organização criminosa.”