Movimento tem como objetivo conseguir uma declaração de neutralidade, o que favoreceria petista; em Minas, Marcus Pestana deve conversar com José Dirceu
O Globo – Após a saída do ex-governador João Doria (PSDB) da disputa presidencial, dirigentes do PT voltaram a defender o diálogo com políticos tucanos com o objetivo de levá-los para o palanque do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou ao menos conseguir uma posição de neutralidade nas eleições deste ano. Os dois partidos foram adversários políticos por mais de duas décadas, mas passaram a atuar do mesmo lado, na oposição ao governo, com a chegada de Jair Bolsonaro ao poder.
— Com a saída de Doria, eles (os tucanos) vão se sentir mais à vontade. Precisamos dar tempo ao tempo, mas eles vão perceber que o Lula é a primeira, segunda e terceira via. Deve ter um movimento da parte do PSDB de vir dialogar conosco — afirmou o secretário de Comunicação do PT, Jilmar Tatto.
Um primeiro movimento foi dado em direção a Minas Gerais, reduto do deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), que disputou a Presidência em 2014 contra Dilma Rousseff (PT). Pessoas próximas ao pré-candidato do PSDB ao governo de Minas Gerais, Marcus Pestana, e ao ex-ministro José Dirceu tentam marcar um encontro entre os dois nas próximas semanas.
O próprio Dirceu já se reuniu nos últimos meses com tucanos da velha guarda — os chamados cabeças brancas. No fim de 2021, ele se encontrou duas vezes com o senador José Aníbal (PSDB-SP), que faz parte da Executiva tucana por ser ex-presidente da legenda. Na mesma época, Lula chegou a se encontrar em ocasiões diferentes com o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e o ex-senador Arthur Virgílio Neto (PSDB-AM) — outros dois tucanos “cabeças brancas”. Apesar das movimentações, Dirceu “não tem a autorização nem cargo de coordenação” na campanha de Lula para fazer a ponte com os tucanos, segundo Tatto.
— Falamos sobre um panorama do país. Mas neste momento estou trabalhando pela terceira via. Acho que o PSDB ainda pode ter candidato — disse Aníbal, que defende o ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite como candidato da sigla.
Ao GLOBO, Virgílio disse que o encontro foi intermediado por advogados amigos do grupo Prerrogativas e que só falou com o petista sobre assuntos pessoais. –
— Nada de coisa política. Eu apoiava a candidatura do Doria. Agora, devo ir com Simone Tebet. Uma pessoa muito valorosa — comentou ele.
Tasso, por sua vez, tem mantido “frequentes conversas” com o senador Jaques Wagner (PT), segundo um interlocutor petista.
A aproximação com os tucanos segue o roteiro adotado para atrair Geraldo Alckmin (PSB). O ex-governador de São Paulo deixou o PSDB após 33 anos para ser o candidato a vice na chapa de Lula, contra quem concorreu na disputa presidencial de 2006. O discurso do agora ex-tucano é de que apenas o petista tem condições de derrotar Bolsonaro.
Na visão de Tatto, os tucanos da velha guarda “já têm uma relação desde os anos 70” com os petistas e “conversam sempre”. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que apoiou a candidatura de Doria até o fim, é visto por integrantes do PT como o principal tucano a ser conquistado.
— A hora que o Fernando Henrique opinar e falar que vota no Lula, aí resolve a parada — disse ele.
O presidente de honra do PSDB, no entanto, ainda não fez nenhum gesto nessa direção. Outros tucanos que os petistas visualizam como potencial canal de diálogo são os ex-governadores Beto Richa (Paraná) e Marconi Perillo (Goiás), além do senador José Serra, ex-governador de São Paulo e adversário de Lula em 2002, quando o PT conquistou a Presidência pela primeira vez.
Até agora, o único tucano que anunciou publicamente que apoiaria Lula é o ex-senador e ex-chanceler Aloysio Nunes.
— O segundo turno já começou e eu não só voto no Lula como vou fazer campanha para ele no primeiro turno — disse ele, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Ao GLOBO, ele reiterou a declaração: — Será que precisa “preparar o caminho” se a opção for Lula ou Bolsonaro? — questionou.
Neutralidade
Apesar da pretensão dos petistas, interlocutores do partido avaliam que conseguir apenas a declaração de neutralidade nas eleições já se configura como uma “grande vitória”.
Uma das provas da tentativa de aproximação – ou pelo menos de evitar animosidades – foi a postura dos petistas em relação à desistência de Doria de concorrer ao Palácio do Planalto, formalizada na segunda-feira. Enquanto o presidente Jair Bolsonaro, os seus filhos e políticos do PSOL zombaram e ironizaram a saída dele do páreo, a maioria dos integrantes do PT se absteve de comentar.
Questionada sobre a possibilidade de abrir conversas com o ex-governador, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que o assunto não foi tratado:
— Não somos contra ninguém que queira se colocar no campo democrático. Mas não discutimos isso.