Indígenas deixaram a comunidade Aracaça, na Terra Yanomami, antes da chegada da comitiva formada por agentes da Polícia Federal e representantes do Ministério Público Federal, Sesai e Funai. Caso segue em investigação.
G1 – Restos de madeira recém-queimada em um espaço que antes era ocupado por uma cabana e uma comunidade completamente vazia, sem ninguém. Esse cenário de destruição foi o encontrado por uma equipe da Polícia Federal em Aracaçá, na Terra Indígena Yanomami, nesta semana. O local ganhou destaque nos noticiários com a denúncia de que uma menina ianomâmi, de 12 anos, morreu após ser estuprada por garimpeiros que exploram ilegalmente a região.
A denúncia veio à tona na segunda-feira (25). Dois dias depois, agentes da PF, acompanhados de representantes da Funai e do Ministério Público Federal (MPF) foram até a comunidade investigar o caso.
Em nota conjunta divulgada na tarde de quinta (28), afirmam não ter encontrado nenhum vestígio de crime de homicídio e estupro. Também não há indícios da morte de outra criança que teria desaparecido em um rio.
Porém, informaram que seguem com a apuração porque as “diligências demonstraram a necessidade de aprofundamento da investigação, para melhor esclarecimento dos fatos.”
A denúncia da morte da menina ianomâmi foi divulgada pelo presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami. Ele afirmou ter recebido o relato de indígenas que vivem na região.
Na ida à região, a PF e os demais órgãos desceram em dois locais: em Waikás e Aracaçá, que ficam próximos. Hekurari estava na comitiva e relata que, em Waikás, o helicóptero que os levava pousou em um espaço usado por garimpeiros. Lá, encontraram alguns indígenas que não quiseram falar muito sobre o caso.
“Eles [indígenas] estavam com medo. Acho que foram orientados pelos garimpeiros para não falar nada”, disse Hekurari, acrescentando que estes indígenas contaram que trabalham para garimpeiros e estavam preocupados em “recolher o material dos garimpeiros para que não fossem queimados pela PF”.
Uma das pessoas que conversaram com a PF, segundo Hekurari, foi uma mulher que aparece num vídeo divulgado gravado por garimpeiros na comunidade de Aracaçá antes da chegada da comitiva policial. No vídeo, eles questionam os indígenas sobre a veracidade das denúncias divulgadas pelo Condisi-YY.
Em nota divulgada na manhã desta sexta-feira (29), o Condisi-YY, por meio do presidente, reafirmou o que foi dito ao g1 sobre a suspeita de que os indíegnas forma instruídos pelos garimpeiros.
“Percebe-se através dos vídeos que esses indígenas foram coagidos e instruídos a não relatar qualquer ocorrência que tenha acontecido na Região, dificultando a investigação da Policia Federal e Ministério Público Federal que acabaram relatando não haver qualquer indício de estupro ou desaparecimento de criança”, cita trecho da nota.
No outro dia, já em Aracaçá, as equipes não encontraram indígenas e uma das casas estava queimada. “A comunidade estava queimada e não tinha ninguém. Ninguém”, disse Hekurari. Não se sabe quem queimou a cabana.
Para ele, as investigações sobre o caso devem, sim, continuar, pois os “ianomâmi foram bem orientados [possivelmente pelos garimpeiros]”.
A nota do Condisi-YY cita, ainda, outra suspeita: a de que indígenas receberam para não falarem nada. “Após insistência, alguns indígenas relataram que não poderiam falar, pois teriam recebido 05g de ouro dos garimpeiros para manter o silêncio”.
No coração da Floresta Amazônica, a pequena comunidade, com cerca de 30 moradores, está tomada por garimpos ilegais. O relatório “Yanomami Sob Ataque”, divulgado no último dia 11 pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), já alertava para o risco de desaparecimento de Aracaçá devido a forte presença de exploradores ilegais.
Além disso, a HAY, após a denúncia foi divulgada pelo Condisi-YY, disse que também acompanha a investigação e, se confirmado, “não é um caso isolado”, já que situações de estupro de crianças e mulheres da reserva foram citadas no relatório.
O Condisi-YY afirma contar com o apoio da Hutukara, que tem “auxiliado nas investigações das informações prestadas pelos Yanomami.”
O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Fedeal, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), disse que encaminhou solicitação de providências sobre o caso da morte da menina Yanomami. “Como presidente da Comissão, acionei o MPF, a Polícia Federal e a FUNAI. Tamanha crueldade não pode ficar impune!”, divulgou ele em uma rede social.
Morte e estupro
A morte da menina ianomâmi após o estupro foi divulgada na noite de segunda (25) pelo presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami. Ele afirmou ter recebido o relato de indígenas que vivem na região.
Responsável pela fiscalização das ações de saúde na terra indígena, o Condisi-YY não é ligado ao Ministério da Saúde e goza de autonomia para apontar os problemas na região. O conselho tem a seguinte composição:
- 50% de representantes eleitos pelas comunidades indígenas;
- 25% de trabalhadores da área de saúde indígena eleitos pelos seus pares;
- 25% de representantes dos governos municipais, estaduais, federal indicados pelos dirigentes dos seus respectivos órgãos.
Em um vídeo divulgado nas redes sociais, Hekurari afirmou que, além da morte da menina, uma outra criança ianomâmi havia desaparecido após cair no rio Uraricoera.
A região de Waikás, onde fica a comunidade Aracaçá, foi a que teve o maior avanço de exploração de garimpeiros, de acordo com o relatório “Yanomami sob ataque”. Lá, a devastação foi de 296,18 hectares — 25% em um ano.
“Quase a metade da área degradada está concentrada em Waikás”, cita o documento. A reserva efrenta a maior devastação causada pelo garimpo em 30 anos.
De difícil acesso, leva-se cerca de 1h15 de voo saindo de Boa Vista até Waikás. Para chegar até a comunidade Aracaçá, são mais 30 minutos de helicóptero ou cinco horas de barco pelo rio Uraricoera.