Valor representa quase a metade do espaço aberto no Orçamento pela “PEC da Transição”
O Globo – Nos últimos dias de trabalho do Legislativo em 2022, o Congresso Nacional aprovou um conjunto de medidas que ampliam os gastos públicos do governo eleito em ao menos R$ 79 bilhões. A quantia representa quase metade do espaço aberto no Orçamento de 2023, de R$ 168 bilhões, com a “PEC da Transição”.
A proposta de emenda constitucional aprovada pelos parlamentares viabiliza a manutenção do Bolsa Família de R$ 600 e o cumprimento de promessas de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva. Para especialistas, a aprovação de “bombas fiscais” perto do fim do ano aumenta as incertezas em relação à trajetória da dívida pública em 2023.
O somatório inclui ações diversas. Estão na lista R$ 10 bilhões de fundos federais que serão usados para custear o pagamento do piso da enfermagem. Há ainda R$ 25 bilhões de compensação que deverão ser pagos pela União a estados e municípios depois da derrubada do veto presidencial a um trecho da lei que limitou o ICMS sobre combustíveis.
Entram nesta conta aspectos como a inflação usada na proposta orçamentária de 2023. O texto prevê um percentual mais alto do que o esperado pelo mercado. Como o índice corrige o teto de gastos, a regra que limita o aumento dos dispêndios públicos, estimativa mais alta no Orçamento significa limite maior de despesas para o governo. O impacto de ampliação de gastos é estimado em R$ 24 bilhões.
Projetos em tramitação
Segundo cálculos da XP, o reajuste salarial aprovado para a elite do funcionalismo deve provocar um efeito cascata de R$ 20 bilhões.
Na última semana de trabalho, os congressistas aprovaram dez projetos de lei com aumento de salário para deputados, senadores, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), servidores do Legislativo e do Judiciário, presidente e vice-presidente da República, procurador-geral da República, defensoria pública e Tribunal de Contas da União (TCU).
O teto salarial dessas categorias serve de base para o vencimento de outros servidores públicos nos demais governos locais.
Os cálculos dos impactos destas iniciativas são da consultoria de Orçamento da Câmara, bancos e de analistas do mercado. Esses valores podem aumentar com outras propostas em estado avançado de tramitação no Congresso, como a aprovação pela Câmara do projeto que prorroga subsídios para geração de energia solar e da recriação de quinquênios para juízes pelo Senado.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, há duas semanas, um acordo entre União e estados para um aperfeiçoamento da Lei Complementar que criou um teto para combustíveis, o que poderá ter mais impacto para o caixa do Tesouro. As medidas, que podem ser retomadas no início de 2023, têm o potencial bilionário de impacto nas contas públicas.
— A situação é bastante complicada. Já existe um aumento significativo de gastos para o ano que vem, ocupando todo o espaço que está na PEC, que aumenta para R$ 600 o valor do Bolsa Família e permite um adicional de R$ 150 (para crianças de até 6 anos). Havia um espaço de R$ 70 bilhões, de um total de R$ 145 bilhões, que o próximo governo poderia gastar livremente — disse Tiago Sbardelotto, economista da XP especializado na área fiscal.
Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, ressaltou que existe uma enorme pressão, vinda de corporações de segmentos do funcionalismo público, para aumentos salariais. A seu ver, isso é uma “sinalização péssima para a sociedade”:
— O problema é gravíssimo. Qualquer pessoa neste país que vive do seu próprio trabalho gostaria de ganhar mais. Infelizmente, o que vemos é uma péssima sinalização, em que os segmentos que têm os maiores salários no funcionalismo público estão se beneficiando de aumentos que vão gerar um efeito cascata.
O economista acrescenta:
— E não falo apenas do governo federal, mas de todas as esferas. O teto de gastos foi uma tentativa altamente meritória de impor um pouco de disciplina nos gastos públicos e forçar os governantes a estabelecer prioridades.
De acordo com Frischtak, o momento é perigoso do ponto de vista fiscal. Uma das soluções possíveis para evitar o descontrole da dívida pública é o aumento de impostos, mas a sociedade não reagiria bem a aumentos da carga tributária.
Com a fixação de um piso para a enfermagem, que fez parte de uma PEC paralela à “da Transição”, a União terá de complementar a diferença de salários pagos à categoria por estados e municípios, entidades filantrópicas e hospitais privados que atendem pacientes do SUS.
A Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), que representa 26 municípios, afirma que as medidas aprovadas não resolvem o problema. Cita a falta de regulamentação e o risco de dobrar o rombo no orçamento das prefeituras.
Em relação à lei que limitou o ICMS, a ideia do Executivo era compensar os entes federados pela perda global na arrecadação. Com o veto, a União tem que compensar a redução da arrecadação em setores afetados pela mudança na legislação: telecomunicações, energia elétrica, transporte público, além de combustíveis. Essa compensação se estende a segmentos como saúde, educação e Fundeb.
Piora para os mais pobres
O economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper, chama a atenção para o desmonte das regras fiscais no apagar das luzes, em nome dos mais pobres. Ele lembra da decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, que dá amparo legal à retirada das despesas do Bolsa Família do teto de gastos. Apesar da aprovação da PEC, diz, a decisão do ministro fica na prateleira e, a qualquer momento, o futuro governo poderá lançar mão:
— Esse negócio de falar em nome dos mais pobres é o abre-alas para entrar em seguida interesse de um monte de gente. Você aumenta o teto de gastos para atender os mais pobres e dá reajuste de salário para a nata do funcionalismo.
Para ele, há risco de efeito inverso ao previsto. Ampliar gastos para beneficiar os mais pobres pode ter impactos como alta da inflação e dos juros. Para ele, o futuro governo avalia que o gasto público resolve todos os problemas, e não leva em conta os efeitos colaterais. (Colaborou Luciana Casemiro)
Impactos em série
- Piso salarial da enfermagem:A decisão do Congresso de autorizar o uso de fundos federais para custear o novo piso salarial dos profissionais de enfermagem terá, segundo especialistas, um impacto fiscal de R$ 10 bilhões para a União.
- Reajuste para servidores: Foram aprovados aumentos para presidente , vice, deputados, senadores, ministros do TCU e do STF e servidores de Legislativo e Judiciário. Com o efeito sobre outras categorias, o custo chega a R$ 20 bilhões.
- Outros possíveis impactos :Os efeitos das bombas fiscais podem aumentar se outras propostas com tramitação avançada forem aprovadas, como a prorrogação de subsídios para geração de energia solar e a recriação de quinquênios para juízes.