Estadão | Menos de três anos após o Marco Legal do Saneamento entrar em vigor, o Congresso já se movimenta para reabrir a discussão sobre a lei, o que tem gerado apreensão no mercado, que teme aumento da judicialização e o fortalecimento das estatais.
Com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um grupo de parlamentares quer colocar um projeto de lei em pauta. Eles alegam que um novo texto poderá atualizar conceitos que já estão defasados e evitar instabilidades como as geradas pelos decretos assinados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana passada.
Os atos alteraram a regulamentação do setor e deram espaço para a manutenção dos contratos fechados sem licitação. Parlamentares já apresentaram projetos para derrubá-los em parte ou integralmente e entraram com ações no Supremo Tribunal Federal (STF).
Antes da edição dos decretos, 1.113 municípios tiveram os contratos considerados irregulares com as companhias de água e esgoto após análise da capacidade de cumprir os objetivos do novo marco: universalizar os serviços de água e esgoto até 2033, com fornecimento de água para 99% da população e coleta e tratamento de esgoto para 90%. Juntos, esses municípios têm uma população de 29,8 milhões.
Atualmente, 100 milhões de pessoas não têm rede de esgoto. Também falta água potável para 35 milhões, segundo ranking divulgado neste ano pelo Instituto Trata Brasil, com base nos indicadores de 2021 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento.
Mas não é apenas a insatisfação sobre os decretos que alimenta o movimento. Segundo fontes ouvidas pela reportagem, um forte catalisador é o aborrecimento de Lira com a situação em municípios de seu reduto político em Alagoas. O Estado é governado por Paulo Dantas, sucessor de Renan Filho (MDB), que é ministro dos Transportes de Lula. O clã político da família Calheiros rivaliza com o de Lira.
O incômodo levou o deputado a defender a revisão da lei publicamente em 15 de março, antes da publicação da nova regulamentação pelo governo. “A vontade do Parlamento é sempre fazer lei que atenda a todos. Partindo da minha Casa queria tentar ajustar essa lei”, disse em evento das companhias privadas de saneamento, contrárias a mudanças no marco legal.
Um dos principais problemas para Lira, segundo interlocutores, está na tentativa de viabilizar o leilão de saneamento do Corseal, consórcio criado em janeiro de 2022 com 28 municípios alagoanos, entre eles Arapiraca. Eles não entraram nos blocos de regionalização de água e esgoto formatados pelo governo do Estado. Muitos optaram por ficar de fora por questões políticas, já que as unidades regionais, e seus respectivos leilões de saneamento, foram organizados pela gestão de Renan Filho.
Mas há obstáculos para destravar a licitação desse novo bloco, que é independente. As regras atuais só reconhecem consórcios de municípios como formas de regionalização quando o governo estadual não tomou a iniciativa de montar blocos de saneamento, o que não é o caso de Alagoas. Há ainda dúvidas jurídicas por Arapiraca integrar uma região metropolitana.
“A gente promoveu os principais leilões nas mãos dos governos estaduais, e isso causou problemas em regiões de consórcios, metropolitanas e de outras áreas. Precisa ajustar”, disse Lira em entrevista à GloboNews, indicando que pretende mexer na lei para superar o entrave em seu Estado. O imbróglio, que mexe com prefeitos aliados, tem repercussões políticas para o presidente da Câmara.
Além disso, cidades como Arapiraca também precisariam da produção de água da Casal, estatal de saneamento de Alagoas. Em outra ponta, os prefeitos terão de encerrar o atual contrato com a empresa pública, além da PPP entre a Casal e a Iguá que serve Arapiraca e outras nove cidades. Isso irá gerar uma indenização a ser paga pelos municípios.
O ponto preocupa o mercado. Há receio de que a rediscussão da lei sirva para parlamentares mudarem o sistema de indenização das estatais quando há nova licitação. A avaliação é que, se ficarem sem receber após terem seus contratos rompidos, as empresas públicas irão judicializar e, na prática, paralisar os leilões de saneamento.
Deputados ligados ao setor que defendem a rediscussão da lei, dizem, contudo, que não há espaço para mudar as regras de indenização. A questão afeta não só o saneamento como todo o setor de infraestrutura.