Economistas criticam fala do presidente eleito em que diz que responsabilidade fiscal é incompatível com assistência social
CNN – Nesta quinta-feira (10), o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva fez declarações que não agradaram o mercado financeiro. Durante um discurso em Brasília, ele sugeriu que existe uma incompatibilidade entre assistência social e responsabilidade fiscal. “Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gasto não discutem a questão social do país? Por que o povo pobre não está na planilha da discussão da macroeconomia?”, disse Lula hoje pela manhã na sede do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em Brasília, onde ficam as instalações da sede da transição de governo.
Economistas ouvidos pelo CNN Brasil Business disseram que a fala de Lula foi negativa e jogou muita incerteza para a política fiscal. Para eles, é importante combinar medidas pelo lado da despesa e da receita, sem caminhar para os extremos. Os especialistas disseram que falta estabelecer uma junção de políticas adequadas que aponte para sustentabilidade fiscal e, ao mesmo tempo, atender as demandas sociais.
Pedro Paulo Silveira, diretor da Nova Futura, apontou que, após a repercussão do discurso, o dólar explodiu, os juros também e o Ibovespa e estatais derreteram. “Foi um sinal ruim do presidente eleito que lançou pistas que o governo pode considerar a política fiscal como um empecilho para o governo dele, o que é ruim”, opinou.
Na visão de Fábio Guarda, sócio e gestor da Galapagos Capital, o mercado não aprovou o discurso de Lula na noite de quarta-feira (09), após o encontro que teve com os ministros do Tribunal Superior Federal, pois impacta questões que interessa ao mercado, como a estabilidade fiscal.
O mercado já amanheceu com um rebote deste discurso, juntamente com os resultados da alta do IPCA, o que impactou a abertura do Ibovespa de quinta-feira (10), derrubando o índice, fazendo o dólar se valorizar em relação ao real e a curva de juros abrindo em alta.
A partir da divulgação do CPI dos Estados Unidos, a inflação americana, que veio abaixo do esperado e surpreendeu os analistas, trazendo um alívio global da pressão compradora de dólar.
“A moeda americana passou a se enfraquecer perante as outras moedas do mundo, menos no Brasil, pois o discurso do Lula, em que ele fala sobre a ruptura entre a responsabilidade fiscal com a social, não foi bem aceita pelo mercado”, diz.
Guarda explica que países que escolheram priorizar estabilidade social em detrimento à estabilidade fiscal, sofrem hoje uma instabilidade social maior ainda. “Países como a Venezuela e Argentina, que acabaram ignorando a estabilidade fiscal para priorizar a social, hoje a população paga um custo muito maior do que se houvesse um controle das contas. Descontrole fiscal faz a inflação subir, desequilibra a economia e ferem a população mais necessitada”, afirma.
Falta de integração dos programas sociais
Gabriel de Barros, economista-chefe da Ryo Asset, afirmou que não existe incompatibilidade entre a responsabilidade fiscal e a social. Para ele, o gasto social no Brasil é desfocalizado, não tem uma atuação integrada, pois há vários programas sociais desarticulados que não conversam entre si.
“Esse desencontro faz com que o governo gaste muito recurso com transferência de renda e programas sociais, mas com uma efetividade aquém do que deveria atingir, dado o volume de recursos que se aloca para esse tipo de programa”, critica.
E é partindo desse argumento que Barros garante ser possível compatibilizar as responsabilidades através de uma focalização de políticas sociais, promovendo uma fusão desses programas que são dispersos. “Se houver um olhar integrado, é possível canalizar recursos para efetivamente quem precisa sem piorar o fiscal. Ou seja, hoje existem programas que repassam dinheiro para quem não precisa. Então é só organizar e pagar só para quem precisa, e isso não aumenta liquidamente a despesa pública”, aponta.
Barros mostra que, do modo que as discussões econômicas estão caminhando, o governo gastará em 2023 quatro vezes mais com políticas sociais, sem ter resolvido o problema do foco de um desenho adequado dos programas sociais. “Está claro que o problema não é falta de recursos, mas sim a falta de coerência dos programas. Existe um espaço amplo para redução de ineficiência da máquina pública”.
A reforma administrativa é um dos caminhos citado pelos economistas. Barros ressalta que essa reforma é uma questão relevante. “Estruturar cargos e salários do setor público é mais que necessário. Hoje existem férias de 60 dias, promoções automáticas, enfim, uma rede de privilégios que claramente precisa de um redesenho. É possível economizar mais de R$ 200 bilhões só com a reforma administrativa sem pegar os servidores públicos atuais”, destaca.
Por fim, o economista cita ainda o abono salarial, explicando que existe uma sobreposição entre os programas sociais. Este programa, que já foi avaliado por diversos artigos aplicados, inclusive pelo Banco Mundial, já mostrou que o abono é uma política cara, custando mais de R$ 20 bilhões por ano, e ineficiente. “O abono salarial não contribui na redução da desigualdade no Brasil, então, se houver uma reestruturação deste programa, o governo conseguiria economizar mais de R$ 200 bilhões em 10 anos”, conclui.