Homem teria procurado a polícia após amigo ser morto pela facção; parlamentar disse que não vai comentar o assunto
Folha de São Paulo – A investigação da Polícia Civil de São Paulo que apontou a participação da facção criminosa PCC no transporte público paulistano, e a suposta ligação com o vereador Senival Moura (PT), chegou à identidade dos suspeitos graças a um conjunto de informações fornecido por um delator.
Ele foi o responsável por indicar aos agentes todas as pessoas possivelmente envolvidas no homicídio do ex-presidente da empresa, Adauto Soares Jorge, e integrantes de um suposto esquema de lavagem de dinheiro que envolve a facção e a empresa de ônibus Transunião, ligada ao parlamentar.
O homem, identificado nos documentos pelo codinome “Guilherme”, afirmou aos policiais que o vereador foi figura central na trama que levou ao assassinato de Adauto, em março de 2020.
Conforme documentos obtidos pela Folha, o delator afirma que Moura mantém ligação com o PCC desde o final dos anos 1990 e que montou um esquema de lavagem de dinheiro para a facção em contrapartida ao apoio recebido quando disputou sua primeira eleição, no início dos anos 2000.
Ainda segundo a versão de Guilherme, conforme descrito no relatório policial, Moura sempre foi o verdadeiro presidente da Transunião e de suas antecessoras.
“Desta feita, as pessoas que o sucederam no comando da cooperativa, e depois da empresa, sempre foram, em verdade, seus ‘laranjas’ porque a última palavra sempre foi dele. Neste contexto, Adauto era, sim, mais um dos ‘laranjas’ que ao longo do tempo se postaram na condição de ‘representantes’ de Senival”, diz trecho do relatório com a versão narrada pelo delator.
Em mensagens encontradas em um celular de Adauto apreendido pela polícia, Moura é tratado como “presidente” e quem autoriza os pagamentos da empresa. Além disso, segundo os agentes, documentos encontrados durante a investigação indicam que o vereador recebia dinheiro da Transunião até o início de 2020, mas que isso parou de acontecer após a morte de Adauto.
O delator procurou a polícia em julho do ano passado indicando ter informações sobre quem eram os responsáveis pelo assassinato de Adauto, de quem afirmou ser muito amigo.
Segundo a polícia, o homem, com medo de represálias por parte do PCC, pediu para não ter o nome incluído ao inquérito e para ser identificado apenas como Guilherme —em referência ao ex-deputado estadual José Guilherme Gianetti (MDB), que tinha como base a mesma região da zona leste da capital, em que a Transunião atua e também é base eleitoral de Moura.
Para não ser identificado, pediu para falar fora de uma delegacia e foi ao encontro de um policial usando boné, óculos e máscara. Os agentes dizem que o delator tem informações de bastidores porque atuava dentro da empresa de ônibus. Não há indicações nos documentos sobre qual seria a ocupação dele.
De acordo policiais, a investigação sobre a morte de Adauto ganhou novos rumos a partir da denúncia de Guilherme. Os agentes também dizem que grande parte do que ele apresentou foi confirmado de alguma forma por outros elementos, como mensagens do celular da vítima e documentos apreendidos.
O relatório com o depoimento do relator foi anexado a um pedido de prisão e de buscas feito no início do mês passado contra suspeitos de participação na morte de Adauto. A Justiça autorizou a operação e a prisão de duas pessoas, mas indeferiu a prisão do vereador. Endereços ligados a Moura foram alvos de busca e apreensão.
No relatório com a versão de Guilherme, o delator diz que, no final da década de 1970, Moura chegou a Guaianases, na zona leste de São Paulo, onde passou a explorar uma linha de transporte clandestino.
Na sequência, ainda segundo o informante, o parlamentar virou, nos anos seguintes, importante líder da categoria. Nessa posição, decidiu entrar na política, mas não tinha dinheiro para uma campanha. Por isso, disse o delator, Moura aceitou ajuda do crime organizado. Dois criminosos identificados como “Cunta” e “Alexandre Gordo” tomaram a frente da captação de recursos, segundo o documento.
A polícia afirma ter conseguido identificar os supostos financiadores de Moura citados. “Cunta” seria o apelido de Ricardo Pereira dos Santos, suspeito de integrar o PCC e morto em 2012. Já Gordo seria Alexandre Ferreira Viana, suspeito de sequestro e preso desde 2005.
Foi por conta dessa dívida, ainda segundo Guilherme, que Moura criou o suposto esquema para lavagem de dinheiro para criminosos do PCC por meio de cooperativas de transporte urbano na capital. O esquema funcionaria até os dias atuais, mas, agora, com o controle da facção sobre a empresa.
“Os alvarás e carros eram comprados com dinheiro em espécie e os cadastros registrados em nome de ‘laranjas’, cientes que emprestavam seus nomes. Assim, estes passavam a ocupar as funções de motoristas ou cobradores das ‘peruas’, na época. Todavia, o rendimento dos carros era encaminhado, posteriormente, para familiares dos criminosos e serviam para custear um estilo de vida confortável”, disse o delator, segundo o documento.
Moura filiou-se ao PT em 1984 e concorreu pela primeira vez a deputado estadual em 2002, mas não foi eleito. Em 2004, acabou primeiro suplente na Câmara dos vereadores, assumindo o cargo em 2007. No ano seguinte, foi eleito e segue na Casa até hoje.
Guilherme afirma que Adauto foi morto depois que o PCC descobriu que ele e Moura estariam desviando parte do dinheiro da Transunião para uma espécie de caixa 2 para campanha de reeleição do vereador, em 2020. Inicialmente, a facção decidiu matar tanto o petista quanto Adauto.
O delator disse à polícia que um homem suspeito de ser ladrão de bancos, Leonel Moreira Martins, foi então incumbido de cuidar do assunto. Ele convenceu os outros integrantes que Moura deveria ser poupado. Em troca, porém, o vereador teve que abrir mão do comando da Transunião, entregar ao grupo criminoso 13 ônibus da cooperativa e ressarcir os prejuízos.
Já Adauto acabou morto a mando da facção, de acordo com a polícia. O delator disse aos agentes que o responsável pelo crime era Jair Ramos de Freitas, o Cachorrão.
Os policiais compararam fotos dele com as imagens de câmeras de segurança que flagraram o momento em que Adauto foi assassinado e concluíram que, de fato, eram a mesma pessoa. Jair foi uma das duas pessoas presas na ação do início de junho.
OUTRO LADO
Procurado por meio de sua assessoria, o vereador Senival Moura (PT) não quis se manifestar.
“Por orientação dos advogados, o vereador não se manifestará”, diz mensagem enviada ao jornal.
Em manifestações anteriores, ele negou ligação com o crime e com a facção criminosa. Afirma ser inocente de todas as acusações.