Partido deve dar aval a Tebet, do MDB, e espera desistência do ex-governador paulista, que resiste
F SÃO PAULO – A candidatura presidenciável deJoão Doria (PSDB) chegou ao fim da linha para a maior parte dos dirigentes e parlamentares do partido. O melhor cenário, dizem, seria encontrar uma solução com a sua anuência e participação. Mas poucos acreditam que ele vá desistir.
O embate, que pode se arrastar até a convenção entre julho e agosto, tem de um lado uma pré-campanha isolada e sem legenda na prática e, de outro, um partido decidido a apoiar Simone Tebet (MDB) e cuja cúpula já encaminha os acordos regionais para costurar a coligação entre MDB, PSDB e Cidadania.
Em alto grau e de forma perene, Doria é visto como tóxico para os demais candidatos tucanos, de acordo com um membro da executiva —o que justifica seu abandono apesar da vitória em prévias que custaram R$ 12 milhões de verba pública.
Até rivais do tucano veem frieza na forma como a cúpula do PSDB e aliados paulistas do ex-governador executaram um plano para enterrar a pré-candidatura.
Doria tem a seu favor as prévias e o fato de pontuar numericamente à frente da emedebista. A via da judicialização, que chegou a ser ameaçada, foi desaconselhada por apenas agravar a resistência do partido, mas não está descartada.
O ex-governador não teria uma saída honrosa possível, já que não lhe interessa disputar outro cargo. Na condição de vítima de um golpe, tende a resistir, segundo seu entorno.
Mas, como a decisão por Tebet é política, não há, na visão de tucanos, argumentos que Doria possa apresentar que mudem o rumo do partido.
No momento de maior debilidade da sua pré-campanha, ele tem conversas marcadas com o presidente do PSDB, Bruno Araújo, e com os líderes do partido no Congresso, na segunda-feira (23). Também deve se reunir com seu sucessor, o governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB).
Doria deve tentar ganhar tempo para fazer campanha. Ouvirá dos dirigentes que a avaliação na executiva é de sua inviabilidade eleitoral.
Na semana passada, pesquisa encomendada por PSDB, MDB e Cidadania apontou,segundo avaliação unânime de membros do três partidos, que Tebet é mais viável.
A executiva nacional do PSDB já foi convocada, na terça-feira (24), para conhecer os resultados do levantamento e dar andamento à coligação.
Nos bastidores, tucanos admitem que o partido seguiu um roteiro para se livrar de Doria a partir do acordo de candidatura única da terceira via –do qual a União Brasil pulou fora.
O tucano marcou 4% na última pesquisa Ipespe contra 2% de Tebet –o levantamento foi financiado pela XP. A enorme distância de Lula (PT, 44%) e Jair Bolsonaro (PL, 32%) evidencia o drama da terceira via e coloca em perspectiva o enredo da crise tucana.
Em sinal de persistência, perfis de apoio a Doria têm publicado sua dianteira nas pesquisas. O próprio tem compartilhado análises que questionam a escolha por Tebet. Uma nova peça de publicidade com o tema “João do Brasil” foi ao ar na sexta-feira (20), dia em que Doria esteve em Goiás e falou em respeito às prévias e em buscar diálogo.
Aliados apontam que a condição de vítima, experimentada pela primeira vez, poderia até melhorar sua imagem perante o eleitorado. Doria carrega a pecha contrária –de traidor, tanto para partidários de Geraldo Alckmin (PSB) como para bolsonaristas.
Dirigentes tucanos negam haver golpe e lembram que Doria propôs o acordo da terceira via e concordou com ele, mesmo tendo sido avisado de que seu nome poderia não prosperar. Na quinta (19), os três partidos se blindaram da acusação por meio de uma nota em que destacam a participação do ex-governador em todo o processo.
CUSTO RODRIGO
Doria tem uma longa lista de adversários internos no PSDB, que lhe impuseram dificuldades na busca pelo Planalto –Aécio Neves (MG), Eduardo Leite (RS) e o próprio presidente Araújo. Mas o que o jogou na berlinda de vez, segundo tucanos, foi ter sido deixado pela bancada paulista e por Rodrigo.
Em entrevistas recentes, à Folha/UOL e ao jornal O Estado de S. Paulo, o governador acenou a Doria, mas defendeu a união dos partidos e uma candidatura competitiva. Tucanos leram nas entrelinhas a tese de que a coligação, que só aceita Tebet, está acima das prévias, que escolheram Doria.
Quem vê Doria preterido por até então aliados fala em uma trama perversa. Nas prévias, houve empenho para elegê-lo, pois disso dependia sua renúncia ao Governo de São Paulo que levaria Rodrigo ao posto.
É aí que aliados de Leite, derrotado nas prévias, apontam o chamado “custo Rodrigo”. O que se pretende que Doria faça agora, desistir, ele já fez em 31 de março, quando ameaçou não renunciar.
Na época, Araújo divulgou uma carta reafirmando a escolha do PSDB por Doria. O ex-governador voltou atrás acreditando em uma vitória política —disse que o recuo fora estratégia. Com Rodrigo empossado, o papel não valia mais nada.
Aos olhos de hoje, a operação para salvar Rodrigo e enterrar Doria é mais evidente. Tudo isso, dizem partidários de Leite, atrasou a resolução da terceira via. Em fevereiro, no episódio do “jantar de derrotados”, já estava claro que o partido queria seguir sem Doria, afirmam.
Por isso, Leite se engajou numa campanha paralela, mas mudou de estratégia. Em abril, declarou apoio a Doria para se isentar da culpa do naufrágio que se avizinhava. Voltou para o Rio Grande do Sul, onde pode se reeleger, e perdeu o timing da candidatura nacional, embora nada seja descartado.
Há quem diga que a punhalada do afilhado no padrinho se repetiu com personagens trocados, mas muitos tucanos negam haver uma conspiração de Rodrigo, como indica Aécio.
Aliados do governador dizem que ele atende aos pedidos de Doria, mas tem ação limitada dentro do partido e não deveria comprar uma briga que pode lhe prejudicar. Na pré-campanha, Rodrigo tem buscado se descolar de Doria.
Superadas as prévias e a etapa de remover Doria da cadeira, o script para derrubar sua pré-candidatura teve início no dia seguinte. Em 1º de abril, Araújo declarou que “a candidatura do PSDB está contida num acordo maior”.
A escolha por Tebet estava feita e foi embalada na pesquisa interna da semana passada.
OPÇÃO TEBET
Tucanos experientes dizem acreditar que Tebet pode ser rifada nos próximos capítulos –pelo PSDB em nome de uma candidatura própria ou pelo MDB, hoje dividido entre lulistas e bolsonaristas.
Os fatores que apontam para isso são seu baixo desempenho eleitoral e a tradição tucana de ter candidato próprio, que não falhou em 34 anos.
Por outro lado, a cúpula do MDB afirma haver na sigla um apoio majoritário a Tebet e que sua candidatura seria uma forma de evitar um racha e a expansão do bolsonarismo entre emedebistas. Além disso, o MDB não cogita apoiar Doria.
O PSDB está dividido em três correntes –a minoria que apoia Doria, a ala que defende Tebet e a que quer uma candidatura própria.
A vantagem de lançar Tebet, segundo tucanos, é que a senadora não puxaria candidatos do PSDB para baixo. E a verba que seria destinada à candidatura presidencial poderia ser redistribuída no partido. O PSDB indicaria o vice na chapa.
Já aqueles que pregam uma candidatura própria, mas que não seja Doria, cogitam lançar Leite ou o senador Tasso Jereissati (CE) se Tebet for derrubada.
DE VENCEDOR A VENCIDO
Dias antes das prévias, em novembro, Leite fez um alerta, quase uma previsão: “Não adianta depois chorarmos o leite derramado, porque vamos todos nos ver numa calça justa”.
O embate entre Doria e o PSDB vem de longe. O ex-governador costuma narrar como venceu as eleições de 2016 e 2018 apesar da resistência interna na sigla e via o cenário se repetir neste ano.
A chegada na política como antipolítico, a empreitada para expulsar Aécio, a tentativa de presidir o PSDB e a associação com Bolsonaro são episódios que deram a Doria a má fama no partido.
O estilo trator também vigorou nas prévias, com acusações de compra de votos e de filiações intempestivas, além da vantagem da máquina tucana paulista. Isso explica, para parte dos tucanos, porque Doria ganhou, mas não levou.
De lá pra cá, os tropeços se seguiram –rompimento com Araújo, o quase recuo na renúncia, um jantar em que a terceira via deu o cano e finalmente a ameaça de judicialização.
O que não mudou em quase seis meses, provocam seus adversários, foi seu baixo patamar de votos e alto patamar de rejeição.