Dados com essa classificação podem causar “danos excepcionalmente graves à segurança nacional”; material foi recolhido durante operação de busca em Mar-a-Lago, residência do ex-presidente
CNN – A questão central em torno da busca do FBI em Mar-a-Lago, residência de Donald Trump, na semana passada ainda permanece sem resposta: quais os documentos que o ex-presidente tinha em sua casa e por que o governo está tão empenhado em recuperá-los?
Há outras questões, claro. Ele pegou o material porque achou que era “legal”, como uma espécie de troféu? Ou ele viu alguma vantagem em tê-los?
Os documentos relacionados ao perdão de Roger Stone – um fiel aliado que foi condenado em 2019 por mentir ao Congresso durante sua investigação sobre a interferência russa nas eleições de 2016 – por Trump foram, de alguma forma, uma evidência importante? O que está por trás do aparecimento de material relacionado ao “Presidente da França” no recibo de propriedade do que foi recuperado de Mar-a-Lago pelos agentes?
Na ausência de fatos, a imaginação corre solta. Trump agora exigiu que os documentos sejam devolvidos, embora os materiais presidenciais, sob a lei dos Estados Unidos, não sejam de sua propriedade.
O detalhe mais tentador é que os 11 conjuntos de documentos foram “classificados”, sendo quatro marcados como “top secret” – a mais alta classificação de sigilo nos EUA -, o que joga luz ao funcionamento do sistema de classificação pelo qual o governo estadunidense oculta informações de seu povo em nome da segurança nacional de todos.
Mais de um milhão de pessoas têm autorização para acessar dados “top secret”
É muito grande o universo de pessoas com acesso a dados “top secret”.
Segundo o relatório “Determinações de Liberação de Segurança” de 2017, mais de 2,8 milhões de pessoas foram descritas como tendo autorização de segurança em outubro daquele ano. Desse total,1,6 milhão com acesso a informações confidenciais ou secretas e quase 1,2 milhão com permissão de acesso a informações ultrassecretas.
Há pessoas adicionais que têm autorização de segurança, mas que atualmente não têm acesso às informações. Isso inclui funcionários civis e membros das forças armadas.
Agências controlam seus próprios dados
Isso não significa que mais de 1 milhão de pessoas tenham acesso a quaisquer documentos ultrassecretos que estivessem espalhados por Mar-a-Lago. Cada agência tem seu próprio sistema e deve estar envolvida na desclassificação de seus próprios documentos.
Os defensores de Trump argumentaram que ele colocou em prática uma ordem para desclassificar todos os documentos que ele levou do Salão Oval para sua residência durante seu tempo na Casa Branca, embora profissionais tenham dito que essa afirmação não pode ser verdade.
“A ideia de que o presidente pode desclassificar documentos simplesmente movendo-os de um local físico para outro é um absurdo em tantos níveis”, explicou Shawn Turner, analista da CNN e ex-diretor de comunicação da Inteligência Nacional dos EUA.
Há um processo oficial de desclassificação
Turner aponta que o processo de desclassificação deve incluir a aprovação da agência que classificou as informações como confidenciais em primeiro lugar, a fim de proteger o processo de coleta de inteligência, suas fontes e métodos.
Os presidentes têm usado periodicamente ordens executivas para atualizar o sistema oficial pelo qual as informações classificadas são desclassificadas.
Mais recentemente, o então presidente Barack Obama estabeleceu a Ordem Executiva 13526 em 2009. Essa ainda é a política oficial, já que nem Trump nem o presidente Joe Biden a atualizaram.
O governo pode mudar em breve o processo de classificação
Biden iniciou uma revisão de como os dados confidenciais são tratados no início deste verão.
A revisão de Biden irá reexaminar os três níveis gerais de classificação:
- Top secret – Este é o nível mais alto de classificação. As informações são classificadas como ultrassecretas se “podem razoavelmente causar danos excepcionalmente graves à segurança nacional”, de acordo com uma ordem executiva de 2009 que descreve o sistema de classificação.
- Secreto – As informações são classificadas como secretas se forem consideradas capazes de causar “danos graves” à segurança nacional se reveladas.
- Confidencial – É o nível de classificação menos sensível, aplicado a informações que se espera que causem “danos” à segurança nacional se divulgadas.
Um subconjunto de documentos top secret conhecidos como SCI, ou Informações Compartimentadas Confidenciais, é reservado para determinadas informações derivadas de fontes de inteligência.
O acesso a um documento SCI pode ser ainda mais restrito a um grupo de pessoas com habilitações de segurança específicas. Alguns dos materiais recuperados da casa de Trump na Flórida foram marcados como “top secret SCI”.
Que tipos de documentos são “top secret”?
O ex-agente da CIA David Priess, que agora é editor do site Lawfare, disse à CNN que não importa a classificação específica, continua sendo uma informação que o governo não tem interesse que seja divulgada.
Podem ser informações coletadas sobre o programa nuclear norte-coreano ou operações militares russas, por exemplo.
Vazamentos podem ser desastrosos ou mortais
O governo geralmente obtém esse tipo de informação pedindo às pessoas que arrisquem suas vidas ou usando tecnologia que não quer que os adversários saibam.
“Expor essas informações coloca a vida das pessoas em risco”, afirmou Priess. “Isso não é uma piada. Conhecemos pessoas que morreram servindo seu país dessa maneira.”
Por que a operação de busca demorou tanto?
A questão maior do que a da confidencialidade, argumentou Priess, é por que, se o governo sabia que os documentos estavam em Mar-a-Lago, os investigadores demoraram para buscá-los.
Para que um presidente desclassifique qualquer coisa, ele acrescentou, ainda precisa haver um caminho para que todos saibam que foi desclassificado.
“Se eles não estão marcados como desclassificados e outros documentos com a mesma informação também não são desclassificados, isso realmente aconteceu? Se não há registro disso, como você sabe?”, questionou.
Podemos não ter a resposta por muito tempo
Pode levar muito tempo até que os eleitores americanos tenham alguma ideia do que tudo isso realmente significa.
“Tecnicamente, não veremos mais nenhuma ação sobre este caso na pauta legal, a menos e até que o DOJ [Departamento de Justiça dos Estados Unidos] apresente acusações criminais contra qualquer pessoa”, esclareceu o analista jurídico da CNN e ex-promotor federal Elie Honig.
Já existe alguma especulação de que, em vez de apresentar acusações, o governo estava preocupado em simplesmente proteger os dados.
Informações confidenciais podem permanecer assim por anos e anos – entre 10 e 25, de acordo com as diretrizes de desclassificação assinadas por Obama.
O padrão é que, se algo não precisa mais ser classificado, deve ser desclassificado. E se precisar ser classificado após esse período de 25 anos, pode ser.
Analisando documentos “top secret” do passado
O FBI, a CIA e o Departamento de Estado têm salas de leitura online de dados previamente classificados divulgados através da Lei de Liberdade de Informação. Nada disso é muito recente.
O caso dos documentos de Mar-a-Lago de Trump parece especial, no entanto, já existem ações bipartidárias dos senadores Mark Warner e Marco Rubio – os principais funcionários eleitos do Comitê de Inteligência do Senado – pedindo mais informações ao diretor de inteligência nacional, Avril Haines, e ao procurador-geral, Merrick Garland, sobre o que foi levado pelo FBI.
Exemplos de processos
Ações judiciais por manuseio incorreto de dados classificados podem envolver figuras de alto nível.
Por exemplo, o general aposentado e ex-diretor da CIA David Petraeus deu informações confidenciais para sua amante, que estava escrevendo um livro sobre ele. Petraeus se declarou culpado, pagou uma multa de US$ 100 mil (cerca de R$ 510 mil) e recebeu dois anos de liberdade condicional.
A ação envolve dados colhidos pelo general durante seu tempo como comandante no Afeganistão. Na época, Petraeus manteve notas pessoais, incluindo informações confidenciais, em oito cadernos pretos. A informação classificada incluía a identidade de oficiais secretos, estratégias de guerra, notas de reuniões diplomáticas e de segurança nacional e palavras de código de segurança.
Outros casos não tão famosos como o de Asia Janay Lavarello, uma funcionária civil do Departamento de Defesa que trabalha na Embaixada dos EUA em Manila, que levou documentos confidenciais para seu quarto de hotel e sua casa enquanto trabalhava em um projeto de tese. Ela pegou três meses de prisão.