Grupo de trabalho aponta que há falta de informações sobre o estoque e a validade de medicamentos e vacinas no país
O Globo – A equipe de transição e o Ministério da Saúde têm travado uma queda de braço pelo fornecimento de informações consideradas estratégicas como o estoque atual e a validade de medicamentos e vacinas no país. Na prática, segundo integrantes do grupo de trabalho, a falta de acesso a esses dados tem dificultado fazer o mapeamento dos insumos e traçar um plano mais detalhado para ampliar a vacinação nos primeiros 100 dias de governo, uma das prioridades estabelecidas pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que o grau de sigilo do banco de dados de estoque do órgão é “reservado”. A pasta ainda esclareceu que “a medida visa garantir a proteção dos dados” e que o “Tribunal de Contas da União (TCU) e os órgãos de controle tem total acesso às informações sobre estoques.”
A reserva dos dados do Ministério da Saúde é alvo de um processo no Tribunal de Contas da União (TCU). Inicialmente, o TCU determinou que a pasta suspendesse o sigilo das informações, mas a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou um recurso alegando que o Tribunal de Contas não tem competência para tratar do caso. Os efeitos da decisão do TCU, portanto, estão suspensos e ainda não há previsão de quando o processo será levado a julgamento.
Na última terça-feira, o grupo de trabalho da transição se reuniu com técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU), que afirmaram que o sigilo imposto pelo ministério da Saúde a determinadas informações tem dificultado a fiscalização da Corte. Em junho, o TCU estimava que a pasta poderia perder até 28 milhões de doses de vacina até agosto, um prejuízo de R$1,2 bilhão. Agora, os auditores estimam que pode haver um prejuízo ainda maior, de R$ 2 bilhões, em vacinas a vencer em estoques. O ministro Bruno Dantas, presidente da Corte de Contas, alertou a equipe de Lula sobre a gravidade da falta de transparência.
Ao GLOBO, o ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, que integra a equipe de transição, afirmou que há uma preocupação com a indicação de que não há um calendário definido de aquisições e distribuição de medicamentos e vacinas para 2023.
— Esperamos esclarecer em detalhes o quadro, em particular de estoques, prazos de vencimento e as medidas adotadas para aquisição de insumos para 2023. O que os diferentes setores indicam é que não há qualquer previsão de aquisições para 2023 de vacinas. Isso é temerário e precisa ser esclarecido — afirma Chioro, ressaltando que o sigilo sobre determinadas informações não impedirá que o grupo de trabalho peça as informações necessárias para o diagnóstico da situação real do Ministério da Saúde.
Um dos exemplos citados pela equipe de transição é o fato de o Instituto Butantan, considerado um fornecedor estratégico de vacinas, não ter recebido até o momento o calendário de imunização previsto para 2023. Além disso, o grupo de trabalho destaca que há milhões de doses de vacinas prestes a vencer.
— Temos a informação de que milhões de doses de vacina para Covid estão com prazo de validade para vencer agora no fim do ano e principalmente nas primeiras semanas de janeiro e fevereiro de 2023. Portanto, é uma grave situação — afirmou Chioro em coletiva de imprensa realizada nesta sexta-feira.
O ex-ministro da Saúde também diagnosticou como uma área problemática o aumento nas filas de brasileiros em busca de atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo ele, não foram fornecidas informações concretas que apontem o tamanho do déficit.
Para driblar esse obstáculo, a equipe de transição disse que busca se informar por meio de reuniões com secretários de Saúde de municípios e estaduais para construir um diagnóstico sobre o tamanho do déficit no atendimento local e propor um conjunto de soluções para estancar filas na Saúde.
A equipe de transição já pontuou que o acesso às informações de desabastecimento de medicamentos e dados do monitoramento da pandemia são as prioridades para o grupo de trabalho da Saúde. Na última quarta-feira, os coordenadores da área se reuniram com o ministro Marcelo Queiroga e pediram acesso aos dados. Ficou decidido que o grupo encaminhará um pedido oficial via Casa Civil. Na ocasião, Queiroga se comprometeu a passar os dados.
Outro motivo de preocupação da equipe de transição é o volume de estoques. No mês passado, por exemplo, entidades ligadas à rede de atenção a pessoas com HIV emitiram alerta sobre a escassez de medicamentos. Na ocasião, o Ministério da Saúde enviou um ofício às coordenações estaduais e municipais dos Programas de HIV/Aids, no qual relatou falta de estoque de um dos antirretrovirais mais utilizados no tratamento, a lamivudina.
Gestores estaduais também alertaram a pasta sobre a escassez de dipirona injetável, medicamento fundamental em hospitais. Um levantamento feito em julho pela Confederação Nacional de Saúde mostrou falta até mesmo de soro em 87,6% dos 106 estabelecimentos pesquisados como hospitais, clínicas especializadas e empresas que fornecem serviço de atendimento domicilar em 13 estados e no Distrito Federal.
Durante a coletiva, o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, que integra a equipe de transição, disse que a situação dos hospitais federais do Rio de Janeiro é grave e que as instituições não ofereceram “retaguarda” durante a pandemia de coronavírus.
— Nós vivemos uma situação extremamente grave de degradação, sucateamento, fechamento de leitos e milhares de contratos vencem agora em dezembro. Nós estamos sendo procurados pelos sindicatos de trabalhadores, extremamente angustiados com essa situação — disse.
— Lembrando que durante a pandemia essa rede federal que teria sido fundamental como retaguarda para leitos de terapia intensiva e internações se omitiu completamente. Não participou da oferta de serviços. Então nós temos um caso específico no Rio de Janeiro de extrema gravidade e o tribunal de contas com certeza nos dará insumos e informações que terão desdobramentos importantes a seguir.